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Thursday, June 30, 2011

As famílias endividadas por Lilith Lovelace.

Um novo fantasma ensombra a Europa e o Mundo: o fantasma das dívidas. À partida, este parece um fantasma familiar, caseiro, dos que periodicamente (regra geral pelo fim do mês) correm as casas e tugúrios dos menos afortunados, dando-lhes noites insones e dias de contínuas preocupações traduzíveis em carências muito concretas, do tipo : «e agora onde vou arranjar dinheiro para pagar os estudos da Vanessa, os remédios da avó Micas, a mercearia, os sapatos novos do Sandrinho?».
Não haja equívoco algum: este fantasma não é desses, dos que aparecem quando há falta de liquidez e desaparecem nos primeiros alvores do dia em que se recebe o salário, ou a devolução do IRS. O que há de novo neste fantasma é o facto de continuar a apavorar dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, não só as habituais famílias ditas carenciadas como as outras, as que até aqui se classificavam como desafogadas. 
Ou seja: o que há de novo neste fantasma é o risco da sua eternização pois nenhum dos exorcistas (leia-se economistas) chamados à liça sabe como erradicá-lo dos lares onde se instalou e todos, desgraçadamente,confessam a sua impotência básica perante os poderes da Trevas.
Como chegámos a este ponto? como pode haver assim um fantasma que tantos assusta com as contínuas subidas de taxas (as bancárias e as fiscais) e descidas de salários (para os pobres e remediados) e o movimento inverso para os outros, os abastados, grandes adeptos deste fantasma? já temos fantasmas classistas? 
Pois parece que sim, que temos: já há alguns anos atrás, perante a ofensiva que se desencadeou contra os «privilégios» dos trabalhadores, me parecia inevitável que esse movimento que tanto atacava os chamados direitos adquiridos, havia de resultar no benefício das «castigadas» élites. 
Quem se der ao trabalho de investigar como se foi cavando, nestes anos de chumbo, o enorme fosso entre os que tudo têm e os que já nada podem reclamar, não pôde deixar de compreender a quem beneficiou o fim dos ditos privilégios dos trabalhadores. 
E o que se mostrava, à grande maioria da população ainda não convencida das sucessivas «liberalizações» das leis laborais e das regras da concorrência (isto é, da entrega a alguns  privados de tudo o que era lucrativo no sector público), era que esse fantasma (ou monstro?) da dívida pública, não parava de crescer. Um dia, diziam-nos, esse monstro seria enorme e acabaria por nos devorar a todos. 
Mas ao mesmo tempo, quem dizia isto, não parava de fazer aprovar Leis que exigiam que o Monstro fosse alimentado: a desregulação dos sectores bancário e empresarial, as campanhas agressivas do crédito fácil, as benesses fiscais aos grandes responsáveis pelo endividamento público e privado (os Bancos, quem mais?).
Foi esse o terreno fértil dos monstros, miasmas e fantasmas que agora se passeiam, por muitos lares, em muitos países dos cinco continentes, assustando até ao pânico mortal muitas as famílias, sobretudo aquelas que já estavam bastante endividadas. 
Que fazer agora? estaremos condenados a aturar este fantasma que, como todos os outros, é produto de algumas mentes retorcidas? 
Um amigo que escreve obras de ficção, costuma dizer-me: tudo o que regula a nossa vida é ficcionado: a nossa identidade, as nossas memórias, as nossas amizades e amores. Porque haveria de ser diferente com a Economia? essa é uma das maiores ficções jamais concebidas pelo ser humano.
Não duvido que ele tenha razão (sei que a tem, aliás) mas o problema que se nos coloca é este: que ficção escolheremos para substituir esta que já tresanda?

Wednesday, June 29, 2011

os ‘Razíadas’ por Luís de Cá , Mões (Beira Alta) Canto 4º, estr. 5 a 8

5 - E se Escrocas, com causa desonrado
Vê que sua fama definha e morre
Já outro, para o Trono abalançado
( fogo do poder, queima e corre)
Bem saliva, afoito e precipitado
Do marasmo se fez sua alta torre
Por cujas ordens, aras ou respeito
o País jaz nú, e em pedaços feito

6 - Podem-se pôr em longo esquecimento
As cruezas mortais que o País já viu
Submetido à lei do feroz e cruento
Usurário que por todos decidiu
Que ainda assim, o vil sofrimento
Não perturba quem o inflingiu
- Que pode pois da justiça recear
Quem dela nomeia o Titular?

7 - C'o medo sempre a Pátria, mal casada
Disposta a fazer o que se lhe pede
Acabará por ser mais maltratada:
Que a submissão sempre concede
Carta branca à tirania instalada
Para arrematar terras e plebe
Ah, Lusitânia: nas mãos da usura
Segues cantando, a cega Escravatura

8 - E se quem abusa inda escarnece
Quando despertará a negra FÚRIA
De que tanto o Mundo ora carece?
Haverá punição de tanta incúria
Se mesmo a Europa se devanesce
Sob o medo, a ameaça e a injúria?
- E já pergunto isto como quem receia
Que o tempo de reagir, já nos escasseia!

Tuesday, June 28, 2011

História Universal da Cuskice - pela Dra. Glória d'Anais de Guerra e Antas

- Bem, já só me resta perguntar isto: que mais aquisições da humanidade podem ainda ser atribuídas à Cuskice?

-Como já vimos, praticamente TUDO o que se sabe, como TUDO o que se há-de vir a saber, deve-se fundamentalmente à Cuskice, por um lado porque a curiosidade é a IGNIÇÃO de todo o conhecimento, por outro porque só a partilha do que se cuskou coloca esse mesmo conhecimento EM MARCHA. A Cuskice implica essa generosidade da partilha e de movimento, de circulação da informação: de nada serve saber-se algo que ninguém sabe, se não se puder dizer, alto e bom som, que se sabe ALGO QUE MAIS NINGUÉM SABE! 
O efeito que uma afirmação destas produz leva a que uma de duas coisas terríveis possa acontecer: a primeira, e menos grave, é ter de dizer que COISA É ESSA, tão secreta. E diga-se o que se disser, ninguém tem condições psicológicas para resistir ao assédio. A partir desse ponto, como se imagina, lá se vai a coisa que ninguém sabe, pois TODOS passam a saber (basta que se diga a uma pessoa a quem se peça confidencialidade, que a incontinência verbal espalha-se depressa). 
Mas pode acontecer também (possibilidade bem mais aterradora) ninguém ligar pevas ao que alguém proclama saber em exclusividade: imagina maior frustração, Joaquim? imagine: você até sabe que um certo tipo que até tem fama de honesto, andou metido em esquemas esquisitos, envolvido com trapaceiros que desviaram milhares de milhões levando um Banco (e por arrasto um País), à ruina. Você quer falar disto com alguém, desabafar, partilhar, enfim, o que quer que seja que lhe permita descarregar o fardo de você ser o ÚNICO a saber. E o que é que acontece? ninguém quer saber disso! aqui você desespera por pensar que as pessoas não acreditam em si, certo? errado! as pessoas não o ignoram por pensarem que lhes está a mentir: ignoram-no por estarem fartinhas de saber o mesmo que você sabe e por estarem igualmente fartinhas de saber que reconhecerem-lhe razão é arriscado pois o Joaquim pode pedir-lhes que façam algo, que o ajudem nessa luta, etc.Acontece porém que a maioria das criaturas gosta mesmo é de não fazer nada, isto é, de comprar tudo feito. Nem do trabalho de dizer que não gostam. Por isso, quando o Joaquim os aborda sobre o assunto, fingem ouvi-lo mas no fim fazem de conta que não o perceberam bem. No fundo, eles não se importam com a sua iniciativa e em princípio até nem a reprovam: na condição de não serem chateados.

- Mas se a cuskice é assim tão Universal e se ela é a base de TODO o Conhecimento, porque razão o Génio é tão raro? afinal de contas, poucos seres humanos se destacam nas várias áreas da sabedoria...

- Vejamos: uma coisa é a cuskice sobre a Natureza, sobre o Cosmos, sobre o Diabo a quatro. Outra coisa é a cuskice sobre HOMINOTES específicos. A cuskice sobre assuntos científicos, artísticos ou congéneres vende mal. A outra, sobre o gladiador Marcadentis e a Vestal Papathodus é paga a peso de ouro. Os paparazzi não são invenção recente: a Roma dos Césares já andavam cheia de grafittis de gosto duvidoso sobre as licenciosidades das cortes Imperiais. A informação que servia esses grafittis era paga em sestércios a autênticos espiões de corte. Sorte dos Césares terem vivido entre um povo igualmente licencioso, ainda livre da herança judaico-cristã: nos Reinos convertidos à Igreja, mais que um Rei teve de apear-se por reputações bem menos chocantes.

- Sim, mas referia-me à outra Cuskice: à que impulsiona as descobertas e as invenções. Porque é ela tão rara?

Quanto à outra cuskice, a que se debruça sobre o verdadeiro Conhecimento, o seu acesso é também dificultado por este facto: nesta área também é perigoso ter ideias. Corre-se sempre o risco de alguém não gostar e querer cortar o mal pela raíz, o que pode chegar à eliminação física da pessoa. Mas pode ainda acontecer pior, pode mesmo haver alguém que grite:  EXCELENTE IDEIA! TRATE DE PÔR-ME ISSO JÁ EM PRÁTICA! 
Por estóica que seja uma alma assim confrontada, encolhe quase até ao sufoco! tal como um soldado ingénuo que se voluntariou para algo e se viu entregue a uma carga de trabalhos inglórios, ainda por cima, alvo de chacota dos colegas! isto porque todos os ingénuos do mundo acham que se anunciarem uma ideia, vão ter alguém que trabalhe grátis (como ele o fez) por essa mesma ideia! quando se descobrem sozinhos diante de seus próprios projectos megalómanos é o colapso total. Assim se perdem muitos génios!

- Mesmo assim: para validar a sua teoria universal da cuskice, acho que devia haver mais gente, a trabalhar mais tempo, nos campos do verdadeiro conhecimento!

- Bom, relativamente ao tempo, vou evocar-lhe o exemplo de um tal Guillotin: Julgou ter inventado algo fantástico para decapitar depressinha os inimigos da Revolução, sem golpes de cutelo dados por carrascos de fraca pontaria: perdia-se muito tempo a matá-los com muitos golpes e os inimigos eram muitos, havia que optimizar a coisa: uma lâmida bem afiadinha dispensaria o cliente de fazer a barba, até ao fim dos Tempos. Uma solução humanitária, sem dúvida, que humanitariamente foi aplicada nele também: raras vezes uma tão brilhante invenção foi experimentada e avaliada «in loco», pelo seu criador (infelizmente, neste caso parece que Guillotin ficou impossibilitado de elaborar o respectivo relatório).

- Mas será que a predomínio da cuskice sobre o seu semelhante é um fatalismo da espécie? Isso pode ou não pode vir a inverter-se?

Não se pode inverter porque dá muito trabalho e a espécie é preguiçosa. A posição mais confortável é que se traduz desta forma: «Avancem, cobardes,  que eu fico aqui a ver e a comentar. Se falharem, contem com a minha feroz crítica. Se houver impasse, dou uma no cravo e outra na ferradura ou (melhor ainda), nem me pronuncio. Se vencerem, serei capaz de dar a cara e reclamar a vitória como minha.»
Ficar de fora de toda a iniciativa ainda não testada e permanecer junto ao rebanho é pois a grande estratégia de sobrevivência de quase todos os bípedes mamíferos, tal como o é entre os quadrupes mamíferos. Isto potencia a Cuskice: as pessoas só se sentem bem rodeadas de outras pessoas porque descobriram que, não só os seus semelhantes são mais fáceis de espiar que os javalis, as cabras montesas as chitas ou as abelhas, como que a partilha das descobertas sobre as suas vidas suscita infinitamente mais atenção que a eminência de uma invasão militar ou económica!

Monday, June 27, 2011

Este Livro que Despejo -por António Aleijo



Dizes que folgam as costas
enquanto vai e vem, o pau
(só falta dizeres que gostas
ou que até nem achas mau)


Mesmo que bem cicatrizes
por pele tendo cabedal
O pau não desvalorizes
se não queres acabar mal

Deves pois bem evitar
açular gente fanática
(não se vão aproveitar
e dar-te lição bem prática)

Com tal lógica apetece
perguntar-te, ò rapaz:
se  mil vezes o pau desce
mil vezes tu folgarás?

Pois digo (e hás-de vê-lo )
que logo à primeira paulada
nem roupa, chegada ao pêlo
se sente assim tão «folgada»

Nem sabes o mal que te causas
ao dizer o que não deves:
põe-te a pau, pois não há pausas
qu'às dores tornem mais leves












Sunday, June 26, 2011

Bíblia, Nova Ver$ão, Livro IV: O Livro dos Jobs (e dos Boys)

continuação do texto do Último Domingo)


Ora naquele Tempo, não eram só os boys que andavam insatisfeitos: um grande opróbrio se abatera sobre as gentes. Apesar disso, curiosamente, ninguém se revoltava: quando muito, um ou outro mais descontente ou mais lúcido, conspirava com os seus pares, sobretudo aqueles em quem confiava. Este «milagre» da cordeirice de um tão maltratado povo, era tão ou mais surpreendente quanto os vizinhos, mesmo em situação menos aflitiva, já davam sinais de revolta contra os deuses que provocavam a escassez na Terra!
Apesar de tudo, haviam fundados receios que a paz não durasse para sempre. Foi isso que Sá Tenaz, dono do mundo e arredores, disse ao seu lacaio e testa-de-ferro, Dom Todo-Titular:
- Por agora eles andam entretidos com a vidinha. Mas um dia vão acordar e descobrir o que lhes andas a fazer. Se isso acontecer, já sabes que vou ter de te afastar e colocar outro, no teu lugar. Mas não te preocupes que já tens lugar garantido numa certa Empresa cujo dono me deve favores.
- Não te preocupes - retorquiu T.T.- eles são como um sapo numa panela com água destinada a ferver: como a temperatura vai subindo gradualmente, eles deixam-se estar até acabarem cozidos: farei com que nem se apercebam do que lhes está a acontecer.
- Parece-te: sendo eu Diabo maior e mais velho que tu, garanto-te: até o mais manso dos Povos dá pinotes quando se ultrapassa um certo limiar a que eu chamo de «sobrevivência». Não te dou muitos meses até constatares que tenho razão!
- Bom, não vou discutir isso. Qual é a Empresa que me destinas, caso eu falhe?
- Vou-te ser franco: não te posso dar um prémio maior do que o posto que já ocupas, pois isso ia incentivar o fracasso. Por isso, aconselho-te a manter o posto que tens. Lembra-te, porém, que para isso tens de abrir, aqui e ali, uma válvula de escape, para que o «vapor» não se acumule naquela frágil panela. Caso contrário POOOOOOUUUUUUUUMMMMMMMMM. Ah ah ah: assustei-te? pois isto não é nada comparado com o estouro do teu mundinho, lá nas Esferas Inferiores.
- Uiiiiii! não precisavas de lançar um grito tão alto: acho que até lá em baixo eles te podem ter ouvido. Bom, tu censuras-me mas a verdade é que também não me facilitas as coisas! afinal de contas, és tu quem empresta e cobra juros. Portanto, é para ti e por TUA ORDEM que ando a esbulhar os meus súbditos. 
- E é isso que vais continuar a fazer, nem que para isso eu tenha de te andar sempre a recordar os meus dez mandamentos!!!
- Dez mandamentos? não me recordo, não....
- Bolas, que raio de memória é essa! vou escrever-tos outra vez, vê lá se arranjas quem tos saiba ler, quando te esqueceres: 

1-Aplicar taxas sobre todas as coisas, as que mexem depressa, as que vão a passo de caracol e mesmo às que estão pasmadas!

2-Santificar festas, casamentos reais, peregrinações, futebóis (de preferência com transmissões directas e «câmera lenta» para os lances principais )

3-Honrar todas as obrigações que contraíste para com o nosso Banco, a quem deves tudo o que és.

4-Prometer sempre o máximo para lhes dar sempre o mínimo. Cortar-lhes nos salários fazendo-os porém acreditar que tempos melhores se aproximam.

5-Alugar Imprensa e T.V.'s para que te sirvam com fidelidade canina (sempre é mais barato que comprá-la e o efeito é o mesmo)

6-Levar a Justiça contigo para a cama, seduzindo-a, pagando-lhe ou convencendo-a das vantagens de andar sempre de braço dado contigo (tanto faz)., 

7- Denunciar todos os ataques que te sejam dirigidos como «cabalas», «campanhas negras» e, se possível processá-los, alugando juízes, advogados e imprensa.

8- Consagrar nomes simpáticos (p. ex.: harmonização fiscal ou consolidação orçamental) a todos os roubos que lhes vieres a fazer.

9- Ter sempre os ordenadões e comissões dos militares oficiais em dia.

10-Lavar bem sempre o dinheirito recebido, para que não cheire mal nem escandalize terceiros.

- Pronto! está escrito, já não tens desculpa. Agora ala daqui para fora que eu tenho mais que fazer.
O Alto Funcionário lá se afastou, levando as Tábuas da Lei debaixo do braço. Ainda a porta não tinha sido fechada atrás dele e já Sá Tenaz desabafava:
- Cada vez piores estes lacaios: eu devia escolhê-los entre os que pelo menos soubessem ler só que esses são sempre um pouco mais propensos a pensar...




(Continua no próximo Domingo)

Saturday, June 25, 2011

A Família dos Conformados, por Lilith Lovelace

Não tendo nascido em família e lugar privilegiado, assisti várias vezes a terríveis lutas de rua entre rapazes. Recordo-me com algum detalhe de alguns factos que então, como agora, considerava chocantes. O primeiro deles relaciona-se com a excitação que se apoderava dos pequenos espectadores de tais lutas. 
Qualquer pequena ameaça que um «mini-forasteiro» (só estes se atreveriam a desafiar a ordem estabelecida) fizesse ao poder do rufia de serviço fazia tremer de excitação todos os outros que, imediatamente, fechavam o círculo entre os dois beliguerantes (também para impedir a fuga do candidato ao massacre). 
Depois, sem conseguirem disfarçar a sua alegria por verem outros no papel de vítima, os garotos mais enfezados e fracos eram os que mais incitavam o «favorito» a massacrar o «perdedor» antecipado: «dá-lhe um pontapé», «parte-lhe o focinho», «aperta-lhe os tomates» eram algumas das simpáticas sugestões da arraia miúda, que serviam também de «claque» ruidosa e de «apoio moral» às agressões que o pequeno autocrata local levava a cabo com indisfarçável prazer. 
Isto acontecia porque, de uma forma geral, era fácil antecipar o vencedor da refrega que era, por norma, sempre o mesmo. 
Se isto me chocava era também por, entre outras coisas, verificar que muitos dos que «torciam» pelo «chefe» já tinham , pelo menos uma vez, sido alvos do mauzão. Havia algo de masoquista neste apoio incondicional ao agressor, pressentia eu (mais do que o compreendia, nessa altura). E essa impressão confirmou-se quando num certo dia apareceu no bairro um certo Joe, com ar pouco afoito, com uma bola de couro na mão, «exibicionismo» de status insuportável numa rua onde só existiam bolas de borracha. 
Desde logo Fred decidiu que aquela bola, por direito, lhe pertencia e, como tal, foi directo ao assunto: 
-Eh, ò copinho de leite: mostra cá a tua bola ò pai! 
O recém-chegado fingiu nem o ouvir: continuou o seu caminho sem pestanejar. O resto da garotada considerou esta atitude de uma audácia criminosa e «meteu-se» ao barulho: 
- Tás a ouvir, ò mongo? Passa pra cá a bola se não queres ficar sem dentes! -gritou logo Marquitos, o mais fraquito dos «pequenos facínoras» do bando, logo secundado pelos outros valentões. 
O garoto da bola nem fez caso: continuou o seu caminho, pelo menos até ao ponto em que viu o seu caminho barrado pelo gorila do bairro que aproveitou logo para impor a sua Lei: 
- Quando te pedi a bola, era só de empréstimo mas já que te fizeste surdo agora vais ficar sem ela. Bola pra cá ò anormal. 
O mocito pousou a bola entre os seus dois pés e, sem aparentar medo, retorquiu, para gáudio do bando: 
- Ora tenta lá tirar-ma! 
O rufia não se fez rogado: empurrou o garoto com violência, fazendo-o estatelar-se no solo e apoderando-se da bola. 
Por momentos, fez-se aquele breve silêncio que sempre antecede as tempestades e logo o círculo se fechou em volta dos dois. Pondo-se imediatamente de pé, o garoto agredido soltou uma espécie de grunhido e começou a espumar da boca. Findo o efeito surpresa desta atitude, começou a torcida a encorajar o pequeno capo local com as habituais invectivas que só pareceram enfurecer mais a vítima. Alguém prognosticou o resultado: 
-Vais levar poucas, vais! 
Dito isto, tudo o que se lhe seguiu foi incrivelmente rápido. O rufia, confiante, ainda segurava o seu troféu esférico nas mãos quando uma força e velocidade indescritível se abateram sobre ele: Um grito de guerra terrível e de repente, o candidato a massacrado transformara-se num feixe de nervos, músculos e velocidade, numa máquina de bater, cega e imparável como ninguém suspeitara. Acabaram-se abruptamente os incitamentos e um calafrio de tensão apoderou-se do gang. Fred já jazia no chão e Joe continua a bater-lhe, sem método mas com incrível eficácia. Fascinados e mudos, os outros assistiam agora à cena sem serem capazes de mover um único músculo, apesar das súplicas de ajuda do grandalhão abatido! 
No fim da cena, o pelotão dispersou, envergonhado pelo choro convulsivo do ex-líder. Foi então que Joe, ainda fervendo de raiva, recuperou a bola e lançou a bravata: 
-Então ò cobardes? Voltem aqui que eu ainda chego para vocês todos! 
Temi por ele, pois supus (então pouco sabia da natureza humana) que os desertores, ofendidos na sua honra, se juntariam para o fazer pagar pela língua de palmo, coisa que estaria, de facto, ao alcance de um grupo tão numeroso. Puro engano: em breve a rua estava deserta, pois o massacrado também se retirava, coxeando e chorando baba e ranho. 

Não há moral nesta história, apenas uma conclusão lógica: os conformados só o são porque acreditam numa ordem natural e imutável que regula todos os factos. Na verdade, todos os conformados são criaturas incrivelmente intolerantes (logo não conformistas) para com os revoltados mas só enquanto estes não revelam forças superiores à ordem estabelecida. Se eventualmente as relações de força se invertem, os conformados depressa se adaptam à nova ordem e conseguem mesmo convencer tudo e todos que sempre previram os acontecimentos. Foi o caso também aqui: em poucos dias o recém chegado foi «coroado» o novo rei da rua e os seus súbditos passaram a secundar todas as suas acções com a mesmo zelo e entusiasmo com que antes serviam o anterior chefe. 
Quanto a Fred, também depressa aceitou a nova ordem. Perdeu o ímpeto para as lutas mas nem por isso deixou de se entusiasmar com as refregas alheias. Triste, não é? E mais triste ainda saber-se, como hoje sei, que estas crianças, neste aspecto, não cresceram nunca: ainda são assim. Todos eles! 

Friday, June 24, 2011

CONSULTÓRIO DO SEXO: Pela Dra. M. Gustava de los Placeres y Morales

Ora viva, boazonas e bonzões do meu país! sendo hoje dia de S.João, motivo de mil e uma festas populares, e não havendo grande «clima» económico para festas, pensei em alegrar o dia com algumas surpresas, mudando um pouco o meu registo habitual. Assim, vou «analisar» alguns dos conhecidos problemas de alguns CONHECIDOS cromos, para gáudio da arraia miúda que muito sofre às mãos das ditas «élites» da Nação. Falarei das disfunções sexuais destas criaturas, apontando soluções (nos casos em que as houver), tentando assim contribuir para que, mais realizados do ponto de vista íntimo, passem a atazanar menos o «desgraçado» de sempre: o Zé Povinho. Ora vamos lá a isto, começando de cima para baixo.

Sovaco Cilva- O problema deste desgraçado toda a gente o conhece: sofre de «frouxidão crónica», causada pela sua manifesta falta de fantasia. Habituado a «seduzir com números», a sua «conversa» não convenceria nenhuma mulher que não fosse também, como ele, afectiva e sexualmente muuuito desequilibrada. A sua mania de tentar interferir na vida íntima dos outros (vejam-se os casos do casamento gay, dos transexuais e da Lei do divórcio) oferece-se, aos olhos de potenciais candidatas, como mais um motivo de repulsa: como é que se suporta que quem não é capaz de proporcionar prazer a ninguém, critique quem tanto o quer fazer?. Gostaria muito de apontar soluções para este caso mas infelizmente sou apenas uma pobre sexóloga, não uma santinha milagreira!
Podre Poças Coelho- Sendo alguém com uma líbido pouco acentuada, este rapaz deixa-se, mesmo assim, levar pelo primeiro que aparece! neste caso, apareceu-lhe um tipo habituado a vender a banha da cobra nas feiras populares. Influenciável e com orientação sexual pouco definida, lá embarcou na aventura sem pensar duas vezes (neste caso aconselhar-se-ia que pensasse tanto, tanto, que até a vontade lhe passasse). A partir daqui, receio que já pouco se possa fazer com ele: a lábia do parceiro é de alta competição e não se lhe vê «estofo» para lhe resistir. Talvez o seu problema se possa resolver com afrodisíacos, desde que ele não sofra de problemas cardíacos.
Paulinho Reportas- Habituado a ser sempre uma escolha de «terceira apanha», este vivaço vai logrando, mesmo assim, conseguir muito do que quer. Graças ao seu patuá, já é a segunda vez que seduz barões influentes. Não é dos que gosta de dar «o flanco» mas o seu maior problema é ter a «retaguarda» exposta a possíveis ataques. Embora a certos níveis seja muito discreto, a sua «febre» pode muito bem vir a prejudicá-lo.
Maria Ludres Rordigas- Tendo de início confundido muita gente com as suas poses de «dominatrix», a senhora acabou por se revelar uma desilusão: abandonou os seus submissos mesmo antes das chicotadas e da maceração com sapatos de assalto alto. Ainda por cima, veio a saber-se que adiantou uma considerável quantia a um tal Pedregoso por um «servicinho» que este nunca lhe fez!  com isto deixou a sua já muito desgastada imagem pelas ruas da amargura. Será difícil voltar a encontrar que acredite nas suas promessas castigadoras. O seu caso, sendo dos mais críticos (não há piedade para Sádicos inconsequentes), é também dos mais insolúveis: resta-lhe chicotear-se a si própria ou submeter-se ao chicote alheio.
Tozé Inseguro - como o nome indica, o seu maior problema é a falta de auto-confiança: o medo da ejaculação precoce levou-o a adiar indefenidamente os seus «avanços». Agora que superou este «handicap», receia-se que já não tenha parceira disponível pois o sentido de oportunidade, nestas coisas do sexo, é crucial. Ou se age a tempo ou, quando se ganha coragem, já a parceira, cansada de esperar, lhe virou as costas, deixando o candidato a falar sozinho. Recomendo-lhe que, de vez em quando, enfarde uns copitos: dizem que o álcool é um óptimo desinibidor. Cuidado porém, não lhe vá dar para a «ternura» e fazê-lo chorar!
Xico Louca-Foi dos que envelheceu mal:  Se enquanto jovem parecia viril e imparável, a idade tornou-o algo parado e melancólico. Embora as circunstâncias lhe fossem propícias, desperdiçou as últimas oportunidades por ter feito uma série de apostas erradas: primeiro num ancião de mau feitio, um desses que passa a vida a invocar glórias passadas, depois rendendo-se à lógica do «mercado sexual», assumindo como seu, o discurso das «dívidas» e das «renegociações», conversa mais própria de  encartados chulecos. Já só he resta agora voltar para a rua, onde ainda pode, com alguma sorte, seduzir um ou outro desenganado da vida. 
Zé Escrocas- Depois de meia dúzia de anos dedicados à chulice, acordou um dia sem «meninas» que quisessem trabalhar para ele. Agora resta-lhe olhar para a «prosperidade» dos ex colegas de profissão, invejando-lhes a força de trabalho. Ignora-se o que fará a seguir mas o mais provável é que venha a dedicar-se à mamã que também é boa peça. Este é dos que eu não ajudaria, mesmo que pudesse: ele que se desunhe, agora que já não pode infernizar a vida de ninguém!

E é tudo por hoje, minhas LINDAS e meus LINDOS: divirtam-se, dancem e «coisem» que quem «coisa» sempre é um bocadão mais feliz! beijinhos onde os quiserem receber da vossa Maria Gustava de los Placeres Y Morales

Thursday, June 23, 2011

A Guerra dos mundos- os filmes da minha vida por Sir Frankie Goethe Wally Wood

Não foi, para ser sincero, filme que me tivesse impressionado: a leitura do livro que lhe esteve na base estava feita há muitos anos e o trabalho «impressivo» também. De resto, para impressionar, houve o célebre programa radiofónico de Orson Wells, com todo o cortejo de histeria e alarmismo e as consequências que se sabe. No livro, escrito nos inícios do séc. XX, é em Londres e arredores que tudo se passa, já no filme, os alienígenas (que devem andar sempre bem actualizados) nfocam a sua acção «no novo centro do mundo», os E.U.A.: é sobretudo aí que eles aparecem para levar a cabo os habituais «estragos». 
Escrito durante o período de ainda expansão colonial inglesa, H.G.Wells parece «justificar» a atitude predatória dos invasores, lembrando como os europeus (nomeadamente os britânicos) se comportaram nos «Novos Mundos»: da extinção do Dodó, de outras espécies animais e dos Tasmanianos, o escritor parece mais «centrado» nalgum realismo quanto à Natureza Humana do que na Diabolização dos Extra-Terrestres. 
Quando toca,  à sobrevivência da espécie» lembra-nos H.G.Wells, nenhum raciocínio de ordem moral ou ética faz grande sentido. 
Ora as criaturas que, graças à sua superior tecnologia conquistam e colonizam a terra, não se comportam de forma muito diversa da dos colonos ingleses pelas longínquas paragens da África, da Ásia ou da Austrália: eliminam sem hesitações quem se lhes oponha ou quem simplesmente «esteja a mais» e apropriam-se dos recursos dessas terras. 
O filme é assaz pobre, quanto às conclusões mais filosóficas e profundas do livro, como acontece quase sempre neste tipo de produções: os efeitos especiais substituem as reflexões e os diálogos mais interessantes e a sentimentalidade mais grosseira substitui toda a subtileza equívoca da dicotomia seres superiores/seres inferiores. 
Transformado quase numa história de guerra, com fugas, perseguições, paranóia e histeria Q.B., quase nem há tempo para o verdadeiro terror, que é aquele que emerge na intimidade de um ser humano atrozmente só, reflectindo diante de um destino inexorável: a febre de «acção» anula todo e qualquer sentimento que não seja a urgencia de «escapar» a qualquer preço. 
Cheguei a recear que o próprio encerrar magistral do livro fosse substituído por um final mais heróico e exaltante da humanidade. Afinal, o fim (ao menos esse) foi respeitado: os invasores acabam por ser derrotados não pela indefesa humanidade (que não tem meios sequer para adiar o fim por muito tempo), mas pelas bactérias, essas criaturas ínfimas e quase insignificantes, a cuja acção os seus corpos extra-terrenos não resistem. 
Não é difícil imaginar-se o que Wells pretendeu, quando atribui a derrota de tão tenebrosos invasores a outra criatura que não o ser Humano: em parte nenhuma da sua obra (e não só no fim) a humanidade é encarada como portadora das «qualidades» que lhe habituámos a atribuir. 
Ciente das contingências históricas que determinaram a nossa evolução enquanto espécie, H.G.Wells não encontra nenhuma razão para exultar ou glorificar a «nossa natureza», nem tampouco precisa de executar o movimento inverso, o da auto-humilhação, da culpabilização ou do misantropismo. 
Olhar desapaixonado sobre as vicissitudes da espécie, a guerra dos mundos é daqueles livros que, sem dúvida, diz muito mais do que uma leitura superficial possa encontrar. 
E não tenham dúvidas amigos que sendo eu um grande apreciador de cinema e não tendo o hábito de comparar livros e filmes, «vi» melhor «filme» através do livro do que no écran. 
Não espanta: o público a que o filme se dirige não ia gostar de grande parte das ilações que Wells vai retirando da ficção que ele próprio criou. 

Wednesday, June 22, 2011

OS «RAZÍADAS» por Luís Vaz de Cá (Mões, Beira Alta) Canto Quarto, Estr.1 a 4

1- Depois de anunciada tempestade

Nocturna sombra e sibilante vento

Já nem a manhã traz claridade

Esperança de Porto ou salvamento

Esconde-se o sol na obscuridade

Agravando o temor no pensamento

Assim na República aconteceu

Depois que o bom crédito faleceu




2-Porque, o muito que alguns desejaram

das misérias e tristezas se vingando

E das europeias verbas se aproveitaram

com a benção de quem estava no comando

E em muito pouco tempo alcançaram

grande pecúlio, sempre acumulando

como se do País fossem capatazes

(e inda se diziam bons rapazes)




3 - Ser isto ordenação pouco divina

Por sinais muito claros se mostrou

quando a mentalidade pequenina

a destruição das pescas subsidiou

mais a da agricultura -que mofina-

mais a indústria que o demo já levou

para a China Hong-kong, Myamar

(e outros mais, que isto está a mudar)




4 - Alteradas então do Reino as gentes

Co ódio que ocupado os peitos tinha

Absolutas cruezas e evidentes

Dando ao Povo o furor pois que vinha

Vendo sucumbir amigos e parentes

Por adúltero Governo e por mesquinha

Gestão da pedinchice desonesta

E no fim que pague o povo «a festa»

Tuesday, June 21, 2011

História Universal da Cuskice - pela Dra. Glória d'Anais de Guerra e Antas


- Bom, Dra. Glória: neste ponto já nem pergunto o que mais a cuskice ajudou a inventar ou descobrir. Pelos vistos foi tudo ou quase tudo o que existe debaixo do sol, ou há excepções?
- Mas quais excepções, rapaz? o que mais contribui para a descoberta ou invenção de algo é a curiosidade, certo? e o que é a curiosidade senão a mais refinada forma de cusquice? muitos acham que foi por causa dos negócios e negociatas que se fizeram as descobertas marítimas, por exemplo! 
Ora isso é uma visão muito redutora. Decerto que antes de um qualquer maduro se sentar à beira-mar para pensar em pimenta, em canela e nos lucros que podia fazer com elas, há-de ter havido muita gente que olhou para o outro lado do mar e pensou algo deste género: «quem viverá para aquelas bandas? e como viverá? melhor ou pior do que eu? e gajas boas, haverá por lá? e se sim, quantas? serão louras ou morenas? terão os mesmos hábitos que as de cá, e preferirão esperar que «chova» ou serão menos passivas e mais do género «agarrem-me senão vou-me a eles?». 
O mesmo vale para outro tipo de travessias! Veja-se o Marquito do Polo: alguém achará que ele saiu da sua Génova Natal, percorreu milhares e milhares de quilómetros para comprar e vender coisas, como um vulgar caixeiro viajante?!? claro que não: o rapaz foi à China para cuskar e olá se cuskou; ora leiam lá bem as memórias dele! por sua vez o grande Khan, à época imperador, também não perdeu a oportunidade de cuskar tudo o que pôde sobre essas estranhas terras ocidentais, habitadas por bárbaros de olhos arregalados. 
E a história repete-se cada vez que um ocidental chega a oriente ou um oriental se passeia por estas bandas. E volta a repetir-se quando os europeus chegam às Américas: importante importante, antes de saber se há ouro, prata, especiarias ou outra inutilidade qualquer, é saber se aquela maltinha vive em cidades, vilas ou aldeias, que tipo de casas constrói, se vivem ou não em família alargada, que tipo de relações estabelecem entre eles, como são os seus cerimoniais, sejam os de casamento ou os fúnebres, como fazem os seus ritos de iniciação, tudo enfim, matérias da mais típica e ronceira cuskice! 
E para que não se esqueçam de nada, todo o viajante que se preza leva um ou mais escribas ou cronistas, para anotarem todos os pormenores, não se vão esquecer certas coisas divertidas na viagem de regresso. 
E que sucesso estrondoso, quando regressavam e contavam, na Corte ou nas tabernas, as suas aventuras: rebanhos de pessoas se acotovelavam para poderem ouvir, sem perder pitada, os aventureiros : as mulheres faziam-lhes olhinhos (e alguns homens também), as crianças arregalavam olhos e ouvidos e só um ou outro céptico ciumento torcia o nariz como quem diz: «sim, sim, está bem está: gajas todas nuas a passear nas praias, e de borla: e anjinhos e sereias, também não viste, ò caroceiro?».
Tudo isto sabemos que era assim, pois muitas vezes estes cronistas foram, por ciúmes, achincalhados, vilipendiados e gozados como grandes mentirosos. 
Mas o que é facto é que os cuskos aprendem depressa a dar a volta por cima, basta pensarem assim: « ah eles não acreditam que há indias boas como o milho (que eles também não sabiam o que era)? pois da próxima trago indias, milho e mais alguma coisa para lhes tapar a boca, aos maledicentes! ah e também não acreditam que existem umas ervitas que fumadas põe qualquer gajo rir? pois o último a rir há-de rir melhor! e por aí adiante, há dúvidas? importa-se e tapa-se a boca dos INVEJOSOS!
Claro que as provas que os cuskos foram trazendo daquilo que diziam, estimulavam mais gente a partir, mar adentro, para paragens distantes. com a seguinte promessa engatilhada: «rais me partam se não hei-de descobrir gente mais esquisita e susceptível de ser gozada do que o choco do Pêro Vais de Caminha!».
E se assim o pensavam, melhor o faziam, excepto quando a nau ia ao fundo com toda a tripulação: nesse caso não se vinha a saber de nada, o que era um grande desgosto para todos, principalmente para os que vivem sempre à espera da cuskice alheia!

Monday, June 20, 2011

Este Livro que Despejo -por António Aleijo

Em clima de fim de festa
e em jeito de balanço
é claro que pouco resta
para alimentar o gamanço


por isso o novo PM
- já disse, para os registos
que além do homem do leme
«cabem» mais onze ministros


por pouco chegava aos doze
-Seria ele o novo cristo?
mau agoiro: seria dose
tal filme está muito visto


há no entanto entre os «meninos»
um que bem por dois já vale
que comprou dois submarinos
e quis vender Portucale


que ande pois precavido
o PM c'o seu sócio:
pode acordar bem vendido
sem acordar no negócio


Dizem que da história, a tragédia
sempre um dia reacontece
sob a forma de comédia
(sempre igual só aborrece)


Se assim for inda veremos
quem poderá no fim rir-se
estamos já nas mãos dos Demos
junto ao caldeirão de Circe

Sunday, June 19, 2011

Livro quatro de «A Bíblia, Nova ver$ão: O livro dos Jobs (e dos Boys)

Naquele tempo, andavam os Boys mui preocupados com o único futuro que lhes interessava (o próprio, pois claro, que de indiferença perante os futuros alheios estavam eles bem calejados). 
E tudo porque corriam sobejos rumores que muitos iriam deixar de receber as benesses do Senhor, em virtude dos escassos recursos daquela Santa mas mui pobre Terrinha. Quando finalmente tais rumores se confirmaram da pior forma, a impaciência deles já se tinha tornado fúria: indignava-os a diminuição de Ministros do Senhor mas mais ainda que alguns desses novos Sacerdotes tivessem vindo de tribos alheias. Para expressarem a sua indignação, resolveram então fazer chegar ao Senhor as suas queixas. Como o Senhor se tornara inacessível, dirigiram-lhe uma missiva escrita por Jemerias, o mais eloquente dos descontentes. Escrita num misto de contenção e revolta, a missiva rezava assim:
«O teu nome seja louvado, ò Nosso Senhor (pelo menos até ao próximo Congresso). Venho por este meio protestar contra as tuas mais recentes escolhas. Bem sei que, por enquanto, teu é o Reino das coisas cor de laranja e derivados e agora, por tabela, também de algumas coisas azuis e amarelas: mais quatro côres e dominarias este mundinho cinzento na totalidade. 
Porém, cabe-me lembrar-te que é por seres o Senhor das coisas cor de laranja que não compreendemos como resolves deixar tantos de nós de fora das tuas escolhas. Serão alguns de nós laranjas, outros clementinas e ainda uns terceiros tangerinas ou não seremos todos nós filhos da mesma citrina mãe? 
Isto ainda é mais grave quando tu e os pasquins todos deste sobanato falam dos sem-côr que convidaste. De repente ficou tudo cego  ? eles são sem côr em quê? na verdade, muitos deles até já trocaram de côr algumas vezes e não é por se dizerem sem côr agora que se tornam mais populares. 
Fica sabendo, Senhor que nós ficámos de todas as côres quando soubemos que fomos preteridos por gente capaz de vestir qualquer camisola, embora saibamos bem que isso te facilita a tarefa: quanto mais eles se disserem sem côr, mais tu podes colori-los das cores que bem entendes. No fundo, tu bem sabes que os ditos sem-cor serão ainda mais dependentes de ti do que nós seríamos, porque não te ajudaram a eleger  Senhor, nem têm sido, como nós o apoio de algumas bases de todas as coisas laranjas. 
Tu vais decerto, ò Senhor, manobrá-los melhor até do que nos manobrarias a nós, e mesmo se te apetecer despedi-los, ser-te-á mais fácil pois sabes que todos os que se habituaram a identificar com o Universo das coisas cor de laranja, hão-de aplaudir essa decisão. 
Também não compreendemos, Senhor, como pudeste não pensar em nós: se não havia lugar para os teus fiéis súbditos aqui, porque não nos mandaste para outros lugares, mais giros e cosmopolitas? 
Num passado ainda não muito longínquo, os Senhores que te antecederam fizeram isso e assim muito satisfizeram aqueles que os serviam. Bem sei que vais dizer que estamos em tempos de vacas magras, pois longe vão os dias das ministras anafadinhas mas que diabo: mesa onde comem onze ministros pançudos, duzentos e vinte assessores com barriguinha, 360 secretárias elegantes, 500 motoristas que carregam no tintol e 750 guarda costas consumidores de EPO, queratina e outras hormonas, também outros tantos, com as mesmas características ou não? bastava que cada um comesse menos um bocadinho e que se estragasse menos um bocadão (que nestas coisas, o desperdício é grande, como sabes, pois faz parte do estatuto). 
Não entendemos ò Senhor, que nos andes pois a submeter a tais SACRIFÍCIOS, como se fôssemos todos iguais a esses parolos que sangramos no altar para a pagar as crises que nós fazemos! 
Francamente, ò Nosso Senhor, vais pensar no assunto ou vamos ter de, mais uma vez, coser outro Deus, desta vez com melhor barro? 
Teus nunca eternamente servidores (seguiam-se 360 assinaturas, número decerto excessivo para os Ofícios que ainda podiam ter esperança de ocupaR.

Quando esta missiva chegou às mãos de um dos assessores do Senhor, este pensou duas vezes: entregá-la ou não ao Amo? afinal de contas não era assunto sobre o qual ele gostasse de responder pessoalmente, até para não se incompatibilizar com gente a quem no passado, ficara igualmente a dever favores. Deixou a carta de lado e quando o Ministro dos Ministros chegou ao seu gabinete celestial (já próximo da hora do almoço, que o seu Divino sono era mais importante que tudo o que se passava nas esferas inferiores), depois das vénias e salamaleques habituais, colocou-lhe a carta entre mãos. Atrapalhado, o Senhor deixou-a cair e mui INDIGNADO assim falou:
- Olha lá, ò cromo, não estás á espera que eu LEIA uma carta pois não? afinal eu pago-te para quê? ou queres que eu, ocupado como ando, ainda tenha tempo para fazer em casa revisões de Leitura? achas que tenho tempo para reaprender o Alfabeto? e o soletrar das sílabas? e as regras orto... orto...tu sabes! para que seria eu o Senhor se tivesse que LER? e lembrar-me destas coisitas da instrução primár... errrr básica, pois agora chama-se assim....pffff!
- Mas senhor -disse o Assessor algo encabulado enquanto se baixava para apanhar a carta caída- esta é uma daquelas a que eu não sei responder: veio dos nosso próprios Templos de Culto das Coisas Cor de Laranja!
- Ah sim?- perguntou o Senhor de súbito interessado- ora passa para cá! Hmmm! deixa cá ver, é o que eu pensava. bom papel, este.
E para surpresa do seu principesco funcionário, começou a fazer um belo aviaozinho de papel. Depois, com ar muito sério, ordenou ao assessor que abrisse a enorme janela que dava para a rua. Soprou na ponta do avião (para aquecer os motores, disse ele), fez pontaria e arremessou-o com força.
A pequena aeronave foi direitinha bater, de focinho, na parede. O Senhor não se atrapalhou com o escandaloso falhanço: pegou no avião sinistrado, amassou-o, aproximou-se do cesto do lixo e tentou fazer um «afundanço»: voltou a falhar.
-Irra que este não acerta uma, disse o assessor entre dentes. O Senhor sorriu e jovial ordenou ao seu lacaio: 
- Oh pah, deita tu isso no lixo, que eu também já me destreinei destas coisas. Bom, hora do almoço. Eta dia cansativo: estou cá com uma fomeca!...

Saturday, June 18, 2011

Underground de Emir Kusturica- Os filmes da minha vida por Sir Frankie Goethe Wally Wood




Underground é a mentira da mentira, ou, o que vem dar no mesmo, a afirmação de uma verdade ocultada. Rodado a pensar numa Jugoslávia já extinta, a realidade do filme é mais subterrânea que o título. Podemos ver no subterrâneo onde as personagens principais conspiram, uma metáfora de um regime paternalista que «resguardava» os seus cidadãos do mundo e da vida ao ar livre. 
Mas essa é, na verdade, a mais simplista das leituras: congelados no tempo, os caracteres que se movem na penumbra lutam ainda e sempre contra...o inimigo nazi, derrotado meio século antes. Alguém se esqueceu de os informar que a guerra tinha acabado? nada disso, pois de esquecimento não se tratou mas de verdadeira ocultação. O mesmo tipo de ilusionismo que criou a ficção jugoslava, feita de nacionalidades distintas e rivais (quando não mesmo inimigas), criou um mundo atroz em que a «representação» do real fica a cargo de quem vive nas trevas. Aos outros resta obedecer: lá fora, à luz do dia, há fantasmas? pois guerra aos fantasmas! Lá em cima, à superfície da Terra, vivem seres horríveis, capazes de destruir o pesadelo dos que vivem como toupeiras? morte a essa perversa humanidade! A alienação presente desde o início deixa-nos perplexos e é com perplexidade que avançamos, num crescendo surreal (característico de Emir Kusturica alías) e algo apocalíptico: espera-se o fim do mundo, ou pelo menos o fim de um certo mundo, para bem da sanidade mental de todos. Mas esse fim não vem: a alienação reproduz-se, como uma praga, amplia-se, toma conta de tudo, das relações, das iniciativas, da própria rotina. 
Quando a claustrofobia se torna insuportável, as personagens emergem à superfície mas já não sabem viver num mundo de luz e de evidências: dir-se-ia que, definitivamente, a ficção Jugoslava (e com ela boa parte do mundo) se desmoronou ruidosamente em contacto com uma realidade que sempre tentou evitar.
É numa situação destas que estamos agora também: submersos por uma realidade que muitos teimam em negar. Do «posto de comando», as ordens que recebemos não nos ajudam a compreender a realidade, antes pelo contrário, ficcionam-na até que ela se torne um sucedâneo que a substitui!
Um dia destes muitos de nós terão de vir à superfície, para respirar, por um pouco de luz. Quem tiver de o fazer terá de vir protegido com óculos muito especiais: dizem que após longas horas em ambiente subterrâneo, o contacto com uma luz demasiado intensa pode cegar!

Friday, June 17, 2011

CONSULTÓRIO DO SEXO: Pela Dra. M. Gustava de los Placeres y Morales

Bom diiiiiiiiiiiiiiiia, gente com pinta, como os meus ii. Cheia de força, aproveitarei o sol para pôr tudo às claras. O País anda expectante como uma virgem prestes a ser (mal) desflorada. Aqui e ali excita-se, solta um ou outro risinho nervoso, mas no fundo, no fundo, bem sabe o que o espera. Mal conduzido na dança diária da sobrevivência, vai levando umas pisadelas valentes mas finge que tudo está bem. Espera pela hora do jantar e mal sabe que desta vez vai comer pão duro e beber água da fonte. Depois, há-de ainda esperar por um passeio romântico à beira-mar, e também isto não lhe há-de correr bem: quem lhe der o braço para tal passeio, embora abonado, não disporá de uns reles euros para lhe comprar um simples creme solar. Portanto, vai dar escaldão, daqueles que arrancam a pele e deixam os corpos quase em carne viva. Por fim, já a caminho de casa, há-de dar-se conta que lhe resta a rua para o acto que fantasiou pleno de lances românticos e ousados. O enigma é saber se, depois de tanta canalhice, o País ainda vai permitir o acto brutal de violação, em público e diante de todos os olhares, cujo script há muito foi esboçado. Vamos à carta de hoje.

Cara Dra Gustava:

As más línguas andam já aí a dizer que me casei com o Paulinho Reportas. É mentira: trata-se de uma união de facto, por conveniência, como de resto é assumido por ambas as partes. De resto, já não é a primeira vez, que alguém da minha família junta os trapinhos ao manganão: o último ainda esteve junto com ele uns anitos, antes de fugir para a Europa. As minhas inquietações têm muito a ver com este facto: a minha família não gosta dele, nem da sua família. A sua família, também não morre de amores por mim, nem pela minha família. Mas uns e outros nada dizem, por enquanto: aparentemente, não se insurgem contra a nossa união de facto, mas também não dão pulos de entusiasmo. Sei bem que enquanto uns e outros retirarem vantagens da nossa vida em comum, ninguém há-de pronunciar uma palavra quanto à nossa escolha. Tudo estaria bem se ambos fôssemos criaturas de bom-senso mas infelizmente, o meu parceiro não é uma pessoa muito estável: não preciso de ser bruxo para antecipar que não tarda muito, a sua hiperactividade vai dar azo a comentários desagradáveis. Isto é tanto pior quanto a estrela do casal devia ser eu, visto que a minha família é maior e mais poderosa. Só que ele é um espalha-brasas. não consegue dominar os seus bichos carpinteiros nem se estivesse sob efeito de uma caixa de Ritalin. Já estou a ver toda a gente a dizer: «olhem, lá está o serigaito a dar nas vistas, nos ouvidos e no que mais haja para dar, e o Poças Coelho, com aquele ar de prisão de ventre, caladito,  como sempre». Ora é este tipo de coisas que eu queria evitar! Dra, que me recomenda para manter o comportamento do meu parceiro dentro de padrões aceitáveis de decência? isto para bem das nossas duas famílias, é claro!

Poças Coelho, Lisboa-Vai-Ela

Caro Poças:

Como bem sabe, sou das que se opõe a relações de conveniência. Acredito mesmo que só nos convém quem é alvo do nosso amor e/ou das nossas fantasias mais íntimas. Mas pronto, não julgo ninguém que faça opções diferentes das minhas: escolheu uma «Ralação» dessas, tem mais é que a aguentar, se quiser, senão, deixe-a estoirar. Também não aconselho ninguém a meter as famílias nos casamentos ou uniões de facto: é muita gente e isso dá sempre promiscuidade. Ainda por cima entre a sua família e a do seu parceiro, venha o Diabo e escolha: na verdade nem as distingo bem, talvez por terem em comum muito mais do que uns e outros pensam e dizem: más-línguas, metediços, convencidos que são os reservatórios de todas as virtudes, intolerantes, abusadores do Património alheio, gastadores, vaidosos, quase não há defeito que eu não lhes encontre. Portanto, amigo Poças, em vez de se perguntar como há-de salvar o que talvez não mereça ser salvo, devia perguntar-me o que fazer para acabar de vez com tão ímpia aliança e aí sim, eu saberia dar-lhe muuuitos conselhos, todos eles de eficácia várias vezes testada e aprovada. Mas como não é esse o tipo de «dicas» que me pede, não vou aqui dar-lhe ideias: digo-lhe apenas para pensar duas vezes quanto à situação que você criou para si próprio. Para o desenganar desde já, digo-lhe que escusa de ficar descansado, pois faça o que fizer, vai correr mal: o seu parceiro é dos que faz tudo para destruir uma relação mas depois é suficientemente habilidoso para fazer todos acreditar nas culpas alheias. Quando tudo acabar, ele vai fazer o seu choradinho, culpá-lo de todas as maldades que ambos fizeram a terceiros e aí as vossas famílias voltam a zangar-se, como já no passado aconteceu. E para piorar as coisas, não se esqueça que a vossa casa vai ser governada a partir de fora. Não tenho mais nada a dizer-lhe senão isto: quanto mais cedo puser termo a este «erro de casting», menor será a humilhação para si e para a sua família. Quando quiser as tais dicas para apressar a «separação de facto» disponha!

 Dra. M. Gustava de los Placeres y Morales

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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