- Bem, já só me resta perguntar isto: que mais aquisições da humanidade podem ainda ser atribuídas à Cuskice?
-Como já vimos, praticamente TUDO o que se sabe, como TUDO o que se há-de vir a saber, deve-se fundamentalmente à Cuskice, por um lado porque a curiosidade é a IGNIÇÃO de todo o conhecimento, por outro porque só a partilha do que se cuskou coloca esse mesmo conhecimento EM MARCHA. A Cuskice implica essa generosidade da partilha e de movimento, de circulação da informação: de nada serve saber-se algo que ninguém sabe, se não se puder dizer, alto e bom som, que se sabe ALGO QUE MAIS NINGUÉM SABE!
O efeito que uma afirmação destas produz leva a que uma de duas coisas terríveis possa acontecer: a primeira, e menos grave, é ter de dizer que COISA É ESSA, tão secreta. E diga-se o que se disser, ninguém tem condições psicológicas para resistir ao assédio. A partir desse ponto, como se imagina, lá se vai a coisa que ninguém sabe, pois TODOS passam a saber (basta que se diga a uma pessoa a quem se peça confidencialidade, que a incontinência verbal espalha-se depressa).
O efeito que uma afirmação destas produz leva a que uma de duas coisas terríveis possa acontecer: a primeira, e menos grave, é ter de dizer que COISA É ESSA, tão secreta. E diga-se o que se disser, ninguém tem condições psicológicas para resistir ao assédio. A partir desse ponto, como se imagina, lá se vai a coisa que ninguém sabe, pois TODOS passam a saber (basta que se diga a uma pessoa a quem se peça confidencialidade, que a incontinência verbal espalha-se depressa).
Mas pode acontecer também (possibilidade bem mais aterradora) ninguém ligar pevas ao que alguém proclama saber em exclusividade: imagina maior frustração, Joaquim? imagine: você até sabe que um certo tipo que até tem fama de honesto, andou metido em esquemas esquisitos, envolvido com trapaceiros que desviaram milhares de milhões levando um Banco (e por arrasto um País), à ruina. Você quer falar disto com alguém, desabafar, partilhar, enfim, o que quer que seja que lhe permita descarregar o fardo de você ser o ÚNICO a saber. E o que é que acontece? ninguém quer saber disso! aqui você desespera por pensar que as pessoas não acreditam em si, certo? errado! as pessoas não o ignoram por pensarem que lhes está a mentir: ignoram-no por estarem fartinhas de saber o mesmo que você sabe e por estarem igualmente fartinhas de saber que reconhecerem-lhe razão é arriscado pois o Joaquim pode pedir-lhes que façam algo, que o ajudem nessa luta, etc.Acontece porém que a maioria das criaturas gosta mesmo é de não fazer nada, isto é, de comprar tudo feito. Nem do trabalho de dizer que não gostam. Por isso, quando o Joaquim os aborda sobre o assunto, fingem ouvi-lo mas no fim fazem de conta que não o perceberam bem. No fundo, eles não se importam com a sua iniciativa e em princípio até nem a reprovam: na condição de não serem chateados.
- Mas se a cuskice é assim tão Universal e se ela é a base de TODO o Conhecimento, porque razão o Génio é tão raro? afinal de contas, poucos seres humanos se destacam nas várias áreas da sabedoria...
- Vejamos: uma coisa é a cuskice sobre a Natureza, sobre o Cosmos, sobre o Diabo a quatro. Outra coisa é a cuskice sobre HOMINOTES específicos. A cuskice sobre assuntos científicos, artísticos ou congéneres vende mal. A outra, sobre o gladiador Marcadentis e a Vestal Papathodus é paga a peso de ouro. Os paparazzi não são invenção recente: a Roma dos Césares já andavam cheia de grafittis de gosto duvidoso sobre as licenciosidades das cortes Imperiais. A informação que servia esses grafittis era paga em sestércios a autênticos espiões de corte. Sorte dos Césares terem vivido entre um povo igualmente licencioso, ainda livre da herança judaico-cristã: nos Reinos convertidos à Igreja, mais que um Rei teve de apear-se por reputações bem menos chocantes.
- Sim, mas referia-me à outra Cuskice: à que impulsiona as descobertas e as invenções. Porque é ela tão rara?
Quanto à outra cuskice, a que se debruça sobre o verdadeiro Conhecimento, o seu acesso é também dificultado por este facto: nesta área também é perigoso ter ideias. Corre-se sempre o risco de alguém não gostar e querer cortar o mal pela raíz, o que pode chegar à eliminação física da pessoa. Mas pode ainda acontecer pior, pode mesmo haver alguém que grite: EXCELENTE IDEIA! TRATE DE PÔR-ME ISSO JÁ EM PRÁTICA!
Por estóica que seja uma alma assim confrontada, encolhe quase até ao sufoco! tal como um soldado ingénuo que se voluntariou para algo e se viu entregue a uma carga de trabalhos inglórios, ainda por cima, alvo de chacota dos colegas! isto porque todos os ingénuos do mundo acham que se anunciarem uma ideia, vão ter alguém que trabalhe grátis (como ele o fez) por essa mesma ideia! quando se descobrem sozinhos diante de seus próprios projectos megalómanos é o colapso total. Assim se perdem muitos génios!
- Mesmo assim: para validar a sua teoria universal da cuskice, acho que devia haver mais gente, a trabalhar mais tempo, nos campos do verdadeiro conhecimento!
- Bom, relativamente ao tempo, vou evocar-lhe o exemplo de um tal Guillotin: Julgou ter inventado algo fantástico para decapitar depressinha os inimigos da Revolução, sem golpes de cutelo dados por carrascos de fraca pontaria: perdia-se muito tempo a matá-los com muitos golpes e os inimigos eram muitos, havia que optimizar a coisa: uma lâmida bem afiadinha dispensaria o cliente de fazer a barba, até ao fim dos Tempos. Uma solução humanitária, sem dúvida, que humanitariamente foi aplicada nele também: raras vezes uma tão brilhante invenção foi experimentada e avaliada «in loco», pelo seu criador (infelizmente, neste caso parece que Guillotin ficou impossibilitado de elaborar o respectivo relatório).
- Mas será que a predomínio da cuskice sobre o seu semelhante é um fatalismo da espécie? Isso pode ou não pode vir a inverter-se?
Não se pode inverter porque dá muito trabalho e a espécie é preguiçosa. A posição mais confortável é que se traduz desta forma: «Avancem, cobardes, que eu fico aqui a ver e a comentar. Se falharem, contem com a minha feroz crítica. Se houver impasse, dou uma no cravo e outra na ferradura ou (melhor ainda), nem me pronuncio. Se vencerem, serei capaz de dar a cara e reclamar a vitória como minha.»
Ficar de fora de toda a iniciativa ainda não testada e permanecer junto ao rebanho é pois a grande estratégia de sobrevivência de quase todos os bípedes mamíferos, tal como o é entre os quadrupes mamíferos. Isto potencia a Cuskice: as pessoas só se sentem bem rodeadas de outras pessoas porque descobriram que, não só os seus semelhantes são mais fáceis de espiar que os javalis, as cabras montesas as chitas ou as abelhas, como que a partilha das descobertas sobre as suas vidas suscita infinitamente mais atenção que a eminência de uma invasão militar ou económica!
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