As motivações para armar intrigas podem ser muitas e variadas: desde o medo, à ambição, uma panóplia de sentimentos ou desejos podem servir-lhes de combustível. Se as que são suscitadas pelo medo (de perder algo, alguém ou a própria vida) podem ter atenuantes ou até ser absolutamente desculpáveis, já as que são provocadas pela ambição apenas mostram duas coisas:
a) incompetência - efectivamente, os adeptos da intriga só conhecem uma forma de subir na vida: afastando outros, porventura mais capazes, do seu caminho. Sempre ouvi dizer que tais pessoas não iam longe pois tarde ou cedo seriam desmascaradas e punidas. Durante muito tempo acreditei nisso, eu própria. Hoje, olhando para o actual panorama social tenho muitas dúvidas que assim seja: mesmo se desmascaradas, a partir de um certo ponto, as criaturas intriguistas tornam-se inimputáveis graças ao terror que inspiram.
b) cobardia. - toda a intriga é cobarde porque realizada nas costas das respectivas vítimas. O intriguista nunca se atreve a denegrir ninguém na sua presença: espera o momento oportuno para libertar o seu veneno e se confrontado nunca admite coisa alguma!
Na velha Florença dos tempos áureos havia, pelos vistos, dois partidos rivais que alternavam no poder e dividiam os florentinos: os Guelfos e os Gibelinos. Não há notícias de que uns fossem melhores do que outros, nem nos feitos nem nos métodos.
Dentro de cada um dos partidos formavam-se por vezes facções (sobretudo quando estavam no poder, que na oposição havia relativa convergência de interesses). A forma de proceder de uns e de outros era idêntica: tomado o poder, degolavam os inimigos, assenhoreavam-se dos seus bens e davam «caça» aos que, logrando escapar, se refugiavam noutras cidades-estado italianas. Disto sabemos, graças a Dante Alighieri e a Maquiavel, entre outros.
A forma que usavam para conspirar e alcançar o poder baseava-se, em larga medida, na intriga: fazer circular boatos que denegriam a imagem dos homens poderosos e suas famílias, na esperança de provocar rupturas entre o inimigo, era então a mais popular das formas de «propaganda» utilizada. Daí veio a expressão «conspirações florentinas», que ainda hoje se utiliza para designar certos ambientes políticos.
O que importa neste caso é que muitos foram bem sucedidos nas suas intrigas, alcançaram o poder e depois vieram a perdê-lo pelos mesmos processos.
Muitos outros falharam nos seus propósitos e foram executados ou exilaram-se. Um muito reduzido número de indivíduos conseguiu os seus intentos e manteve o poder conquistado, recorrendo ao terror desenfreado e paralizador. Em todos os caso porém, estas lutas determinaram a decadência de Florença e fizeram-na cair sob o jugo estrangeiro.
Isto porque a intriga é um veneno que não se limita a aniquilar as suas vítimas ou alvos: os seus efeitos estendem-se muito para lá da vida do réptil peçonhento que o destila, corroendo o tecido social até não restarem senão criaturas desprezíveis, putrefatas, todas merecedoras ( a crer-se nas intrigas) do pior que lhes possa acontecer.
Tal descrença nas pessoas e nas instituições arrasta, mais tarde ou mais cedo, um nihilismo vingador que não hesita em «entregar» a sociedade inteira nas mãos dos candidatos a carrasco, mesmo se eles são estrangeiros, pois o ódio aos inimigos torna-se mais forte do que o amor a uma cidade, a um país, e até aos amigos e familiares!
Foi isto que determinou a queda de Florença nas mãos de Charles de Valois que tomou a cidade sem oposição digna desse nome, o que motivou a Dante o desabafo segundo o qual Florença se tornara num «ninho de malícia» (nido de malícia Inferno XV, 78) , numa cidade «lacerada» pelos partidos, levando-o a afastar-se inclusive dos seus correlegionários (Dante pertencera à facção dos Brancos Guelfos) chamando-os de «companhia pérfida e estúpida» (compagnia malvagia e scempia).
E decerto não é por acaso que o autor da Divina Comédia «encontra» todos os seus conterrâneos, (os do passado como os seus coevos), nos vários círculos do Inferno, ainda que muitos deles não sejam culpados de mais do que a trivial má-língua: ele sabia dos nefastos efeitos dessa peçonha e antevia a justa punição da sua cidade, não por forças sobrenaturais mas pelo simples efeito de algumas acções conjugadas de forma assaz terrena!
Como não será por acaso que o nono círculo do Inferno de Dante, o Cocito ou Inferno Gelado, é consagrado aos traidores, aos que para se vingarem do inimigo, puseram nas mãos de estranhos o destino da sua própria Pátria!
Possamos nós um dia, como Dante, sair deste Inferno para voltar a ver as estrelas!
Como sempre uma dona de casa intriguista e socialmente aceite na alienação sócio-cultural.
ReplyDeleteEstá muito bem dito sim senhora...
Sem dúvida, Dr.ª Lilith, o inferno é aqui! Os efeitos nefastos dessa atitude estúpida são evidentes: esse tipo de "inimputáveis" cresce como ervas daninhas, são bem sucedidos e até são bajulados.
ReplyDeleteHeaven can wait...