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Thursday, August 4, 2011

A Família dos Sem-papéis por Lilith Lovelace.

Nunca compreendi porque razão, sendo a  vida de grande parte da humanidade o que sabemos que é, alguém sentiu necessidade de «inventar» o Inferno. Para algumas visões religiosas porventura mais sábias, não há dúvida alguma: O Inferno é aqui, neste maltratado Planeta . Outros porém (talvez ainda insaciados com o Mal que por aqui vêem), comprazem-se na descrição dos tormentos daquele não-lugar, como se eles fossem novos e não tivessem equivalente na Terra. 
Um dos maiores sofrimentos que pode acometer um ser humano, para além da doença e da tortura, é a privação de algo essencial à vida: a falta de água, de alimentos ou até de amor. Estas privações devem parecer pequena coisa aos humanos que não as sofrem, porque depressa se inventaram outras privações que, não sendo da mesma ordem destas (porque não-naturais), causam considerável sofrimento aos que as sentem na pele: há os sem-abrigo, os sem-direitos, os sem-voz e ainda os sem-papéis .
Um belo poema de Kafka, fala desta tendência humana para excluir  ( Nós somos os quatro que impedem um quinto de se juntar a nós). O problema é que esta exclusão de que falo hoje, é mais do que negar a um outro a possibilidade de ser um de nós: na maioria dos casos é mesmo negar-lhe o direito a uma vida digna desse nome. 
Uma criatura sem-papéis é presa fácil dos empregadores sem escrúpulos e está permanentemente sujeita à chantagem de todos os que lhe conhecem a condição.  Para todos os efeitos, é uma criatura não existente: se tiver filhos, eles estão abrangidos pelo estigma, se adoecer ninguém cuida dela, se morrer ninguém investiga a sua morte. Trata-se, no fundo, de um escravo a quem nem esse estatuto é reconhecido. 
Os ingénuos pensam que «ilegalizar» pessoas é a única forma de as impedir de entrar num certo espaço (Nacional ou Estadual) mas a verdade é outra: da mesma forma que certas drogas só são um bom negócio por serem ilegais (nenhuma droga seria cara por causa dos custos de produção), também a mão-de-obra ilegal é lucrativa principalmente para os que contra ela legislam: tem-se visto amiúde que poucos destes «legisladores» não se aproveitam das empregadas domésticas, amas, e outros tarefeiros sem documentos.
Sem qualquer espécie de vergonha, há mesmo Estados com feroz legislação anti-emigração, que entregam sub-empreitadas a Empresas que exploram esta mão de obra e «esquecem-se» de fiscalizar as as obras, para não terem que «dar conta» desta situação.
Ora se nos choca saber que compatriotas nossos têm sido, com alguma frequência, escravizados por angariadores sem escrúpulos, como podemos aplaudir este tipo de legislação, quando estão em causa seres humanos nascidos noutros pontos do Globo? e como podem dizer-se cristãs, tantas pessoas sempre prontas a apontar o dedo aos infelizes que nasceram no local errado? haverá algum Cristianismo (que desconheço das leituras bíblicas) que diga que só somos irmãos dos nossos compatriotas?
E se amanhã (cenário de resto que já se verifica) chegar a nossa vez de ter de abandonar o País em busca de sobrevivência? continuaremos a defender que cada um deverá ir para a sua Terra?
Seres humanos «ilegais»? ora! e se limpassem as partes íntimas aos vossos papéis e ao orgulho de terem nascido onde não escolheram, ò hipócritas pseudo-religiosos?


1 comment:

  1. ...bata, bata Drª Lilith que não vai para o INFERNO, porque já cá está..., mas esteja sempre atenta aos "hipócritas pseudo-religiosos, pseudo-governantes, pseudo-instituições sociais e a outros pseudo... que agora se me escapam!! Eu por cá, vou ajudando com a partilha (batida fraca, né)!!

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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