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Saturday, July 30, 2011

O Senhor dos Aneis - Filmes da minha vida por Sir Frankie Goethe Wally Wood

Díficil desafio o de transpor para cinema a ímpar obra de Tolkien: é grande (também no sentido de volumosa), complexa (muitos lugares e personagens) e plena de prodígios (esta parte, hoje, com os efeitos especiais e seus especialistas, torna-se um impecilho pelas razões opostas às do passado: usa-se e abusa-se deste recurso, esquecendo muitas vezes que ele é um meio e não um fim em si mesmo).
Vou ser sincero: gostei, apesar de tudo, do filme. É certo que diante de tão colossal obra literária, havia que fazer opções de forma a não violentar o formato filme, de contrário, nem 24 horas consecutivas de filme narrariam todas as peripécias registadas na trilogia. Ainda assim, o filme saiu longo mas creio que o essencial da obra estava lá.
Preciosos (além do Anel) nesta obra, são o imaginário (bem conseguido no filme, quanto a mim, tanto nos cenários quanto na caracterização das personagens), a teia narrativa e as constantes alusões à Natureza do Mal Absoluto (isto é, a incomensurável vontade de domínio sobre a Natureza e as criaturas que dela fazem parte).
Talvez não por acaso escrita nos anos de chumbo da ascensão nazi, o autor sempre se recusou a estabelecer paralelos com a realidade mas tenho para mim que é impossível que ele próprio não tenha visto essas relações ou que pelo menos elas não tenham influenciado a sua obra.
Na verdade, «o Senhor dos Anéis» é uma epopeia que transcende a realidade específica de uma época e por isso bem fez  Tolkien em não a «empobrecer», colaborando numa identificação excessiva com a pesada realidade do seu tempo.
Reflexão quase metafísica sobre a natureza humana (porque além dos humanos propriamente ditos, os Hobbits, os Gigantes, os Elfos, os Orcs, os Trolls têm atributos tão humanos que não precisamos de um «tradutor emocional» para compreendermos as motivações de cada um deles), o primeiro golpe de genialidade da trilogia é colocar no centro da acção um objecto minúsculo e aparentemente insignificante (o Anel nº 1 de Sauron), símbolo de poder e poder efectivo, pelos prodígios que permite ao seu possuidor. 
Trata-se de um anel com vontade própria (reunir-se ao seu Senhor) que coloca, em quem o usa, uma extrema dependência , com muitas analogias às chamadas drogas duras (heroína, cocaína e...Poder precisamente, que é uma das mais duras drogas que alguém pode experimentar, com a vantagem de não estar ilegalizado).
Portanto, a necessidade imperiosa de possuir o Anel é enganadora porque, em última instância, é o Anel que possui quem o usa. Com a agravante de (tal como acontece com qualquer viciado), ser tão mais difícil ao «possuído» realizar a sua condição de servo, quanto mais tempo tenha ele estado sob o seu domínio e efeito. 
E o estigma é de tal ordem que mesmo já não estando sob o seu efeito directo, o uso do Anel deixou sequelas para toda a vida (compreende-se agora melhor, creio, o paralelo que faço com substâncias psicotrópicas e com o Poder).
Mas o grande fascínio de «o Senhor dos Anéis» não se esgota aqui: embora estejamos sempre em presença do Mal absoluto, encarnado por Sauron e pelos seus anéis e servidores, as personagens principais estão longe de representarem, por antítese, o Bem Absoluto: fracos e corruptíveis, os que lutam contra o poder das Trevas também sentem o seu apelo: Saruman, o feiticeiro acaba mesmo a servi-lo e Gandhalf, embora não ceda a tais impulsos, tem os seus acessos de ira e de impiedade para com os inimigos, quando não mesmo com amigos. Frodo, o pequeno Hobbit que carrega o fardo do Anel,  vive momentos de total submissão ao objecto e mesmo Golem, uma das mais repugnantes personagens do livro, acaba por ter um papel fulcral na vitória do Bem, ao despenhar-se no vulcão com o anel que nunca deixara de tentar recuperar. 
Em suma: nenhuma das criaturas que povoa esta obra épica foi esboçada a preto e branco: uma míriade de cores compõe cada uma delas, tornando-as capazes do bem ou do mal, dependendo das circunstâncias. No fim, suspeita-se até que Sauron terá também o seu lado bom, hipótese que já levou alguém a escrever a história vista por outro lado, pelo lado dos vencidos, apresentando os vencedores (Gandhalf, os Elfos, os Hobbits e restante coligação) como inimigos do progresso (obscurantistas). Não deixa de ser uma leitura tão legítima quanto outras, até porque quem a fez, estudou a fundo a obra de Tolkien e respeita plenamente o seu Universo.
Para concluir, deixo uma provocação aos que torcem o nariz a esta obra, sob o pretexto de ser fantasista: em que lugar existe obra (de Arte ou não) que não seja fantasista?. E em que lugar existe uma única criatura que não seja ficcionada? cada um de nós é uma ficção construída desde os mais tenros anos de infância. 
Porque desde que nascemos somos ficcionados, primeiro com um nome, depois com uma «história familiar» até que, na já na posse da linguagem oral e escrita, esse trabalho de ficção passa também para as nossas mãos, sem nunca ter saído de mãos alheias.
Ficcionemo-nos portanto, já que, sempre que falamos de nós, não sabemos fazer outra coisa!



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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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