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Sunday, July 10, 2011

Bíblia, Nova Ver$ão, Livro IV: O Livro dos Jobs (e dos Boys)

Naqueles tempos, mui inquietas andavam as gentes com as notícias vindas de cima, desses céus onde se decide do inferno dos outros: rumores aos oito ou mais ventos espalhados davam conta que, sem que ninguém tivesse dado conta (passe o paradoxo), o País se transformara numa enorme e vasta lixeira.
Logo que tal ouviu, Moinakerias, que estava entrevadinho há quase uma década, levantou-se resmungando da sua cadeira de rodas e, sem sequer a ajuda das muletas, foi à varanda espreitar o quintal: 
- C@§@£H*, F*D@-$e!!! praguejou, esquecido do milagre de voltar a poder a andar, pois deparou com uma enoooorme lixeira atafulhando cada centímetro quadrado do jardim, do lajeado, das escadas de acesso a casa. A montanha era tal Moinakerias se viu impedido de sair, restando-lhe portanto voltar, sempre resmungando, à sua querida cadeira de rodas.
Não longe dali, Bendormias, Sobebias e Malcomias tomavam café e digestivo no «Cantinho da Celeste» quando, como maré imparável, o lixo começou a invadir a esplanada, depois o interior do próprio café: cascas de laranja, pacotes vazios de leite, espinhas e cabeças de peixe, cacos de garrafas partidas, um ou outro pneu, milhões de ticas de cigarro, e muitas outras coisas duvidosas, bóiando numa massa viscosa e repelente feita de uma insalubre mistura de óleos vários, leite azedado, cerveja choca, vinagres, águas sujas e outros fluidos do mesmo jaez.
Aflitos, os habitantes daquela terra fecharam as janelas, pois a enorme massa de lixo não parava de subir e pressentia-se que em breve, a pressão do exterior tornaria necessário barricar todas as entradas da casa, para impedir que o lixo invadisse o interior.
O pânico instalou-se em cada lar por todos os que, apanhados de surpresa na rua,  possam não ter logrado escapar com vida. Os telefonemas sucediam-se e alguns respiravam de alívio, outros preocupavam-se ainda mais. 
Sem ideia do que deviam fazer, ligaram rádios, T.V.'s e computadores, tentando descobrir uma solução ou, pelo menos, uma explicação para tão inusitado prodígio. 
Esperavam, acima de tudo, que os Sacerdotes da Grande Religião Mercantil, viessem a terreiro explicar porque acontecera aquilo, posto que eles sempre HAVIAM garantido que o Deus Cifrão, na sua infinita sabedoria, sempre soubera usar a sua mão invisível para regular as coisas de tal forma que desastres deste género jamais poderiam suceder. 
A desilusão, quando tais sacerdotes se exprimiram, não podia ser maior: pela primeira vez desde que havia memória, os ministros do Deus da Mão Invisível, não só se abstinham de exortar à oração e à fé, como apelavam à rebelião vingadora contra a Divindade!
-Mas como, como nos rebelamos nós?- perguntavam-se as gentes aflitas- cercados de lixo por todos os lados, incapazes de abrir a porta sem que toda a porcaria nos entre casa adentro! 
Lembraram-se então de encher o céu de lixo electrónico, que era a única coisinha que podiam fazer sem sair de casa! e assim fizeram, cuidando que se vingavam. Felizes, os Sacerdotes exultaram porque a grande fúria doméstica dos cidadãos encontrara outro alvo que não eles.
Este foi o grande castigo que desceu dos carrascos de sempre, sobre os crentes do Deus da Mão Invisível mas não se pense que todos foram vítimas do seu terrível golpe: os justos acordaram e viram o mundo como ele sempre fôra: uma lixeira aqui e ali por descuido e falta de civismo dos nativos, mas tudo o mais permanecendo com a limpeza possível e usual. Para esses, o País não se tornara mais sujo e fedorento só porque alguém, algures, assim o decidira: continuava igualzinho a si mesmo, nos seus atributos, nas suas idiossincrasias e originalidades. Foi o caso de Semfobias que acordou cedo, espreguiçou-se, tomou o seu café em casa e saíu sem novidades de maior. Uma vez na rua, surpreendeu-se sobremaneira pela quantidade de pessoas que subia, aflita, para o topo de carros e autocarros ou que corria, calças arregaçadas e dedos em pinça no nariz, para o interior dos edifícios: jamais vira cena tão insólita, pelo que teremos de entender o seu desabafo:
- Eh, ò Parolada: escusam de fugir de mim assim tão enojados que quem não anda a tomar banho são vocês, ò mongos!

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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