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Thursday, August 18, 2011

Os Galos Presumidos por Lilith Lovelace

Preso no seu exíguo galinheiro, havia um certo galo megalómano que vivia convencido que o Sol só nascia porque ele cantava. 
Sem nunca ter feito a prova do que sucederia se um dia não cantasse,  tomava por seguro que o seu canto assegurava a dupla movimentação da Terra e o ciclo das estações. 
Incapaz de ler a realidade sem lhe justapor a grelha da sua gaiola, dividia os seus congéneres por cores: ele era branco, outros eram amarelos, pretos, castanhos. 
E fazia questão nessa distinção da cor das penas, revoltando-se contra os seus congéneres que não valorizavam esse aspecto da fisionomia dos galináceos. 
Não sabia o pobre que, de certa forma, a indiferença dos outros quanto à cor das penas até o beneficiava.  Porque nem ele era tão branco como pensava, nem os outros tão escuros como ele os via.
Noutros galinheiros, não faltavam galos que, sendo muito mais brancos do que ele, eram igualmente daltónicos e, caso o avistassem, não hesitariam em considerá-lo um galo negríssimo! e a má notícia era que bastantes, de entre esses galos branquinhos como a neve, partilhavam da sua visão obsessiva sobre os galos negros. Com a agravante de ainda serem mais violentos que ele.
Até ao momento, o galo em causa está seguro: no seu galinheiro ainda há coisas mais importantes que a cor das penas. 
Mas ele trabalha afanosamente para que a cor das penas seja o critério número um. Para o dono do galinheiro é indiferente: quando finca o dente numa tenra coxa de frango, nem se lembra que o bicho já teve penas, quanto mais da cor delas!
Mas para a sobrevivência de cada galináceo da capoeira, não é assim tão indiferente o que cada um pensa da cor das suas penas. Se um dia o Galaró convencer os seus pares das suas desrazões, isso bastará para que alguns sejam impedidos de aceder à sua ração diária, levando umas bicadas sempre que tentem aproximar-se! 
Ora todos sabemos que o dono anda sempre de olho no  galinheiro e sabe que galináceo ostracizado é galináceo morto. Como não gosta de prejuízos, havendo um galináceo ostracizado, aplica-lhe a eutanásia e  a isso chama jantar!
Não sou mazinha e por isso desejo que este galo nunca consiga impor a sua visão ao resto dos seus domésticos congéneres: se um dia tal acontecer, pode bem acontecer que os outros também passem a reparar bem na cor de suas penas. 
E como nestas coisas os galináceos não são muito diferentes dos humanos, cada olhar é um olhar o que significa que cada franganote também só vê as cores que quer ver, podendo até ver cores que nem lá estão! 
Dir-me-ão que estou a baralhar galináceos e humanos, num grande exercício de daltonismo. Será justo, mas tenho visto churrascos de carne humana em que o ´«virador da grelha» tem mais ar de galináceo negro (o capuz de carrasco ajuda), do que o desgraçado que assa nas brasas, a quem nem mesmo os estertores do sofrimento logram arrancar o mínimo pedaço da sagrada e inviolável dignidade humana!

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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