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Tuesday, May 3, 2011

História Universal da Cuskice - pela Dra. Glória d'Anais de Guerra e Antas

Havia especialização do trabalho entre os nossos mais remotos antepassados? 

Num certo sentido, sim. Desde Mandaí, o Tosco, não caçava quem queria, era preciso licença. Não me refiro ao papel que hoje os caçadores têm de obter mas à licença do chefão, o supracitado. Ele escolhia a sua equipa, de acordo com critérios nem sempre muito racionais. Evidentemente, quem não caçava tinha de fazer outras coisas: de uma forma geral, essas tarefas resumiam-se a apanhar frutos, lenha, esfolar, estripar, cozinhar, curtir peles, cuidar das crias. 
Com o tempo, outros trabalhos se vieram juntar a estes: Os catadores, os coçadores, os penteadores, os lava-pés, os carpidores, os artistas e outros parasitas que viviam à custa da adulação do(s) Chefe(s). 

E religiões? E sacerdotes? 

Esses foram precisamente os primeiros lambe-patas (então não se usavam botas) dos chefões,. E o primeiro de entre todos foi precisamente Hominote 4, primeiro dos primatas pelados que sabia fazer fogo. Graças ao seu riquíssimo patuá e ao domínio do fogo, impôs-se diante de Mono 7, o Frouxo, forçando-o a partilhar o poder consigo, a troco de umas espetadas mistas e de umas patacoadas sobre a origem sobrenatural do fogo. 

«...Com a morte de Mono ( ataque cardíaco por medo de fantasmas), tomou o poder Irra primeiro, o Mauzão, que imediatamente encarcerou o putativo representante do fogo divino, recorrendo a avançadíssimos métodos de tortura (neste aspecto o avanço dos Hominóides foi desde sempre notável), para lhe arrancar, com sucesso, o segredo do fogo...»

Mais aparente que real, a sua vitória depressa conheceu revezes. Não obstante o seu carácter ridículo, as patranhas que entretanto Hominote espalhara, sobre a natureza divina do fogo e sobre o que era preciso fazer para que ele não devorasse quem o evocava, faziam o seu caminho entre uma cáfila de crentes que já tinham começado a escapar ao poder temporal. Morreu estrangulado pelo seu filho mais velho Bera, o Sanguinolento. 

Falemos então de mitos. Que mitos floresciam entre os primeiros hominotes?

Para valorizar a sua importante descoberta, Hominote atribuiu-se o favoritismo do Deus Tahkeimar e da Deusa Bhraza, divindades do fogo e da vida. Na sua versão, aquelas entidades apareceram-lhe num sonho e antes de lhe prometerem o domínio do fogo, ameaçaram de morte o clã inteiro caso outro, que não ele, ousasse receber ou propagar a sagrada chama. Para que os cuscos e invejosos dos hominotes não lhe aprendessem o truque, embrenhava-se na floresta e de lá regressava sempre com um tição aceso, contando sempre uma qualquer patranha sobre quem lhe tinha recebido o fogo: se o deus, se a Deusa se do filhote-deus Alampah, ou da filhota-deusa Xamushka. Lembrava também sempre que mais ninguém, senão ele, estava autorizado a acender fogueiras. 

O primeiro mito surgiu então como resultado do interesse próprio do seu criador? 

Evidentemente, que se esperava? Ninguém inventa uma galga tão ridícula, se não sente que pode ganhar algo com ela. 

Sendo assim, como explicar a sobrevivência deste mito? 

Este mito, como tantos outros, podia ser ridículo mas pegou, como fogo em capim seco. E pegou porque, no caso dos mitos, o sucesso depende mesmo do respectivo grau de ridículo. Nunca faltou a esta espécie uma feroz vontade de crer que os Deuses são patetas q.b. para caírem na asneira de auxiliar ou favorecer o bicho humano, por qualquer meio. É a velha crença humana em almoços grátis. 
Egocêntricos como nenhum outro animal antes ou depois deles, a questão que nunca se atreveram a colocar a si mesmos é porque cometeriam os Deuses um tão clamoroso erro, abrindo uma excepção precisamente para a espécie que menos merecia contemplações? 
Apesar disto, não devemos ser muito severos com a crendice entre os Hominotes: milhares de milénios depois, entre anjos caídos, filhos de virgens, mortos ressuscitados, e camelos que voam para o paraíso, o nível de verosimilhança destas narrações não há-de melhorar grande coisa. 

Se o primeiro mito se relacionava com o fogo, o segundo mito relacionou-se com... 

O adultério. Nas primeiras tradições orais dos Moinas, havia episódios envolvendo Deuses e Deusas em práticas polígamas, cujo resultado acabou por ser um Paraíso superpovoado de bastardos. Ou seja, a coisa deu para o torto, descambando em guerras interdivinas motivadas por traição, ciúmes e guerras de partilhas, na hora de cada filho de Deus reclamar a parte do putativo Pai. 
É claro que esta Ordem cosmológica era um reflexo da desordem que reinava cá por baixo, no mundo material, portanto, a coisa (poligamia) estava condenada, não porque os Moinas se tivessem tornado monógamos por um passe de mágica, mas porque era-lhes difícil aturar mais que um(a) parceiro(a). E às vezes, mesmo esse... 

Fogo, adultério... Não havia outras inquietações que preocupassem os Moinas? Não sentiam eles também o peso das nossas eternas inquietações, o Amor, A morte, O destino, a carreira profissional , enfim...?

Decerto que havia: os Moinas eram bichos inquietos por Natureza.. Preocupavam-se com a tempestade mas também se preocupavam com a seca. Preocupavam-se com a concorrência das outras espécies mas também com a do vizinho. Preocupavam-se com a doença própria mas também com a saúde alheia. Preocupavam-se com tudo, excepto com o bem estar do outro e o rigor científico das opiniões do próprio . O Amor e a Morte eram preocupações longínquas: para o primeiro nem havia palavra e para o segundo a palavra contava pouco. Já quanto à carreira profissional todos ambicionavam seguir profissões liberais como caçador, pescador ou recolector de grande raio de acção. 

1 comment:

  1. Muito interessante e lúcida, a "cuskice" da Glória. Parabéns por estes anais.

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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