Resumo dos três últimos Posts desta rubrica: Dani, jovem profeta e escravo Abreu nascido no cativeiro, atreve-se a interpretar o famoso sonho de Nabuco, Imperador dos Gabalónios. Explica-lhe que o colosso com cabeça de ouro e pila de barro é uma metáfora das fragilidades humanas e da finitude dos Impérios. Ofendido, o Rei dos Reis manda-o atirar aos leões. Dani então consegue safar-se, dando conselhos ao Soberano quanto à sua vida sexual. Infelizmente, as suas mezinhas não resultam e Nabuco desta vez não lhe perdoa: manda os seus soldados lançá-lo na fossa onde o esperam cinco leões famélicos...)
Não perderam tempo os soldados: antes que Nabuco se arrependesse da decisão, jogaram Dani no estreito fosso. Mal o jovem mordeu o pó, os leões levantaram-se a custo e foram cheirá-lo. O jovem deixou-se ficar tão quietinho como o Presidente de uma certa República à beira mar implantada. Cá em cima, no rebordo do fosso, os soldados faziam apostas:
- Aposto que quem lhe vai fincar o dente primeiro é o leão de juba escura
- Esquece, moço: o primeiro vai ser aquele das manchas no dorso...
-Ora, ora: tá-se mesmo a ver que nenhum de vós sabe nada disto. O leão careca é o que tem mais condições para cumprir o seu dever.
Apesar da excitação da soldadesca, nenhum leão parecia interessado em fincar o dente em Dani. Passaram-se minutos, depois horas e nada acontecia. Dani bem sabia porquê: untara-se com umas bagas até ficar azul e a cheirar a tripas que é coisa que nehum felino aprecia. Quando os soldados foram embora, zangados com a inactividade dos leões, Dani, que falava e compreendia a linguagem de toda a bicharada, falou-lhes assim:
- Não lamenteis a vossa sorte, amigos leões, por não me poderdes comer. Lamentai sim, o azar pelo treinador que tendes: jamais um bom mestre vos deixaria passar tanta fomeca...
O leão menos enfezado, olhou-o com repugnância e respondeu-lhe:
- Só nos dão porcaria. Agora até tu tens de vir aqui mandar bocas? não vês que estamos na fossa?
O Jovem levantou-se e encarou-os com piedade. Sabia que enquanto aquele cheiro e cor perdurassem estava safo. Mas receava que a sorte não durasse sempre. Por isso tratou de os lisonjear:
- Reparai que nenhum animal, por feroz que seja, pode dar uma trinca no que quer sem a autorização do Senhor. Se me poupardes, tereis uma recompensa lá em cima -disse apontando para o céu. Os leões seguiram com o olhar o seu indicador. A resposta não se fez tardar, vinda das fauces do mais enfezadito dos cinco felinos:
- Lá em cima, ò mongo, é território das águias. Há por aí uns palermas, na Gabalónia, que nos representam com asas, mas isso são delírios de quem bebe tintol marado. Já viste algum leão com asas sem ser nos baixos relevos, ò mal-cheiroso?
Dani reflectiu depressa. Não adiantava prometer nada aos leões: há anos que eles viviam descrentes em tudo. Treinadores sucessivos tentaram espevitá-los com estórias da carochinha. Em vão, sempre em vão. O melhor era tentar ganhá-los para a sua causa, fazer uma aliança com eles:
- Notai que eu sou tão vítima desta situação como vós. Se me ajudardes a escalar este fosso eu, de lá de cima, iço-vos com uma corda e podemos finalmente todos ir jantar a casa. esta é uma boa hora, pois já escurece e ninguém passa por aqui
Os leões consideraram a proposta, não sem alguma desconfiança. Infelizmente, não parecia haver, para eles, outra escolha. Encavalitaram-se uns nos outros, Dani subiu para o dorso do último deles e lá conseguiu atingir o rebordo da fossa, içando-se com esforço até à superfície. Uma vez aí, olhou para baixo e disse:
- Agora aguardai em silêncio que vou buscar uma corda...
Dito isto, deu de frosques sem pensar mais nos pobres bichos. Meia hora depois, o Leão da juba negra disse:
- Parece-me que aquele gajo já não volta...
O das manchas retorquiu, zangado:
- Eu não vos disse que não podíamos confiar num gajo azul? estava na cara que era um infiltrado...
E puseram-se todos a rugir, para chamar a atenção dos guardas, na esperança que estes prendessem o meliante que os enganara. Em vão: Dani já se pusera a milhas e tudo o que os Leões ganharam com o chinfrim foi uma rouquidão que ainda hoje os afecta e que explica o súbito silêncio a que se remeteram.
Aos cépticos que não crêem que um homem possa falar com Leões, para mais quando estão na fossa, recordo que, embora seja difícil, é sempre possível arrancar-lhe algumas lamúrias. Quem disto duvide que preste atenção à realidade, pois não foi esta a última vez que homens de cor azul se aliam a leões para lhe treparem para as costas. Quem tiver olhos para ver que veja e quem tiver ouvidos para ouvir que ouça. Quem tenha problemas com estes órgãos que vá preparando uma nota das grandes que as consultas nos privados estão pela hora da morte e no sector público, desde que existem parcerias público privadas também não há milagres!
De gemer a rir... Muito bem.
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