- Bom, Dra. Glória: neste ponto já nem pergunto o que mais a cuskice ajudou a inventar ou descobrir. Pelos vistos foi tudo ou quase tudo o que existe debaixo do sol, ou há excepções?
- Mas quais excepções, rapaz? o que mais contribui para a descoberta ou invenção de algo é a curiosidade, certo? e o que é a curiosidade senão a mais refinada forma de cusquice? muitos acham que foi por causa dos negócios e negociatas que se fizeram as descobertas marítimas, por exemplo!
Ora isso é uma visão muito redutora. Decerto que antes de um qualquer maduro se sentar à beira-mar para pensar em pimenta, em canela e nos lucros que podia fazer com elas, há-de ter havido muita gente que olhou para o outro lado do mar e pensou algo deste género: «quem viverá para aquelas bandas? e como viverá? melhor ou pior do que eu? e gajas boas, haverá por lá? e se sim, quantas? serão louras ou morenas? terão os mesmos hábitos que as de cá, e preferirão esperar que «chova» ou serão menos passivas e mais do género «agarrem-me senão vou-me a eles?».
O mesmo vale para outro tipo de travessias! Veja-se o Marquito do Polo: alguém achará que ele saiu da sua Génova Natal, percorreu milhares e milhares de quilómetros para comprar e vender coisas, como um vulgar caixeiro viajante?!? claro que não: o rapaz foi à China para cuskar e olá se cuskou; ora leiam lá bem as memórias dele! por sua vez o grande Khan, à época imperador, também não perdeu a oportunidade de cuskar tudo o que pôde sobre essas estranhas terras ocidentais, habitadas por bárbaros de olhos arregalados.
E a história repete-se cada vez que um ocidental chega a oriente ou um oriental se passeia por estas bandas. E volta a repetir-se quando os europeus chegam às Américas: importante importante, antes de saber se há ouro, prata, especiarias ou outra inutilidade qualquer, é saber se aquela maltinha vive em cidades, vilas ou aldeias, que tipo de casas constrói, se vivem ou não em família alargada, que tipo de relações estabelecem entre eles, como são os seus cerimoniais, sejam os de casamento ou os fúnebres, como fazem os seus ritos de iniciação, tudo enfim, matérias da mais típica e ronceira cuskice!
E para que não se esqueçam de nada, todo o viajante que se preza leva um ou mais escribas ou cronistas, para anotarem todos os pormenores, não se vão esquecer certas coisas divertidas na viagem de regresso.
E que sucesso estrondoso, quando regressavam e contavam, na Corte ou nas tabernas, as suas aventuras: rebanhos de pessoas se acotovelavam para poderem ouvir, sem perder pitada, os aventureiros : as mulheres faziam-lhes olhinhos (e alguns homens também), as crianças arregalavam olhos e ouvidos e só um ou outro céptico ciumento torcia o nariz como quem diz: «sim, sim, está bem está: gajas todas nuas a passear nas praias, e de borla: e anjinhos e sereias, também não viste, ò caroceiro?».
Tudo isto sabemos que era assim, pois muitas vezes estes cronistas foram, por ciúmes, achincalhados, vilipendiados e gozados como grandes mentirosos.
Mas o que é facto é que os cuskos aprendem depressa a dar a volta por cima, basta pensarem assim: « ah eles não acreditam que há indias boas como o milho (que eles também não sabiam o que era)? pois da próxima trago indias, milho e mais alguma coisa para lhes tapar a boca, aos maledicentes! ah e também não acreditam que existem umas ervitas que fumadas põe qualquer gajo rir? pois o último a rir há-de rir melhor! e por aí adiante, há dúvidas? importa-se e tapa-se a boca dos INVEJOSOS!
Claro que as provas que os cuskos foram trazendo daquilo que diziam, estimulavam mais gente a partir, mar adentro, para paragens distantes. com a seguinte promessa engatilhada: «rais me partam se não hei-de descobrir gente mais esquisita e susceptível de ser gozada do que o choco do Pêro Vais de Caminha!».
E se assim o pensavam, melhor o faziam, excepto quando a nau ia ao fundo com toda a tripulação: nesse caso não se vinha a saber de nada, o que era um grande desgosto para todos, principalmente para os que vivem sempre à espera da cuskice alheia!
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