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Sunday, February 13, 2011

G€N€SIS: A NOVA VER$ÃO (continuação)

5- Adamina e Ivan viveram muitos muitos anos e, no fim, não tiveram direito a Reforma nem a Assistência Médica gratuita. De resto, já não tinham tido abono de família apesar de pais de um rancho de filhos. De toda a sua descendência só houve notícias de Abelito e Caíme. Os outros talvez tenham emigrado para outras paragens. Eis o relato do último (e trágico) diálogo entre os  dois irmãos:

  Está Caíme sentado no topo da colina de Jaláfui, contando e recontando suas ovelhas e carneiros pelos dedos das mãos e dos pés quando Abelito, mano labrego que, por acaso, até plantou as couves tronchas,  bróculos e demais hortaliças que servem de pasto a tão afincados ruminantes, passava ali por perto para mondar as ervas daninhas
- Hã??? Outra vez??? Fora daqui, suas bolas de lã com quatro patas. XÔÔÔÔÔÔÔÔ!!! Ah, não vão lá com palavras, não é?
  E vai de pegar num grande pau de marmeleiro para correr com a bicharada fandanga que comia o produto do seu suor. Foi então que Caíme, que assistira à cena quase impávido (mas a mordê-las por dentro) decide revelar a sua presença:
- Posso saber porque é que os meus bichos não podem pastar nas terras que ambos herdámos?...
- Ah, estás aí, mandrião? – devolveu-lhe desdenhoso o pretendente a latifundiário- ainda bem porque vais ouvir umas verdades: Olha lá, seu grande parasita, achas bem que eu tenha desbravado silvados e matas, lavrado, adubado, semeado, regado e mondado as minhas hortas e searas para te engordar a ti por interpostas ovelhas?..
- Problema teu - devolveu bocejando Caíme - estou farto de te dizer que por mim e pelos meus bichos, até agradecia que não andasses por aí a destruir florestas e pastagens a fazer queimadas prejudiciais ao ecossistema e outros atentados à paisagem natural. Fica sabendo que é por tua causa que, de ano para ano, as minhas ovelhas têm cada vez menos erva e as minhas cabras menos silvados e urtigas para comer. A própria carne dos bichos perdeu qualidade e sabor desde que comem as porcarias que andas a semear...
- Ah, ainda me tratas mal?- disse o labrego de pontiagudo cajado no ar – achavas bem que eu deixasse toda esta terra maninha?
- Maninha é a tua mona ò maninho labrego. Já reparaste na quantidade de terras que lavras e deixas de pousio? Qualquer dia, por este andar, nem o Mundo inteiro te chega...
- Eu não tenho culpa que as terras se esgotem e que seja preciso desbravar cada vez mais: é o preço do progresso...
- O preço do progresso?...ah ah ah, queres convencer quem, com essa? Eu conheço-te ò ganancioso, sou teu irmão, lembras-te? O que tu pretendes, com tanta azáfama e vigilância é reclamar a posse destas terras todas por usocapião. Só que, tens azar porque, se tu o fizeres, eu também o posso fazer...
- E como é que o vais dizer que usas estas terras, ò langão, se tu passas a vida a contar carneirinhos e a tocar flauta? Achas que enganas o Deus Capital? Olha que ele tudo vê e tudo manda...
- Muito antes de tu andares para aí a mourejar como um desgraçado, já os meus bichos pastavam nestas terras. Que tu, por teres a mania que és mais esperto, tenhas decidido levar uma vida mui diversa dos nossos antepassados e te mates a trabalhar, é problema teu mas isso só prova que o verdadeiro dono destas terras todas sou eu...
- Ah essa é genial, e porquê, já agora?...
- Porque eu me comporto como tal, ao passo que tu te portas como um reles escravo da bicharada toda, desde as gralhas aos ratos de celeiro. Em suma, eu sou dono das terras e as terras, por sua vez, são tuas donas
- Ah, o que te faz falar é a inveja –retorquiu Abelito fazendo caretas por estar a falar contra o sol – bem gostarias de comer uma sopita de legumes de vez em quando, não é’ bem gostarias de fazer um puré de lentilhas nos dias de festa, hein? Bem gostarias de ter um celeiro e, sobretudo, uma adega como a minha, com pipos, ânforas e odres cheios de pinga de várias colheitas, ora confessa lá...
- Para quê? – respondeu Caíme com desprezo – quando quero enfrascar ou comer uma bucha vendo um borrego e vou á tasca, que é muito mais divertido
- Ah, Vês? É por isso que o Deus Capital, não pode gostar de ti: andas a tirar partido da promiscuidade de animais não unidos pelos laços do sagrado matrimónio para sustentar vícios...
- E tu, meu moralista de meia tigela – retaliou Abel- não andas a fazer o mesmo com as plantas? Ou vais dizer-me que as sementes das hortaliças, frutos e cereais são trazidas pela cegonha? Estou farto de gajos como tu, que me passam a vida a dizer que Deus quer isto ou gosta daquilo. Por acaso Ele ter-vos-á passado alguma procuração? De resto, se Ele gostasse de ti e me odiasse a mim explica-me: porque razão eu tenho muito mais sorte na vida do que tu?
- Ah ah ah: em que é que tu tens mais sorte do que eu? É certo que eu dou no duro, mas o Omnipotente tem-me ajudado e em minha casa nada falta, ao passo que tu, que tens tu nesta vida além de um punhado de animais fedorentos? Nem sequer um carro de bois em segunda mão tens....
- Oh, deixemos isso de lado – atalhou Caíme despeitado – temos concepções de vida diferentes: o que é bom para ti não é bom para mim e vice-versa. Há porém um e um só assunto em que ambos temos por hábito desejar o mesmo mas eu tenho muuuito mais sorte...
  Referia-se a namoradas claro, as garinas curtiam mesmo largo aquele tipo por uma qualquer razão que, para Caim, era absolutamente misteriosa mas para elas não tinha nada que saber: o pastor, ao contrário do semeador de couves, era um gajo viajado e possuía uma perícia digital notável quando tocava flauta, ninguém percebendo muito bem como é que, de olhos fechados, aquelas mãos esguias davam sempre com os orifícios minúsculos da cana de bambu...

1 comment:

  1. ...por causa de Caíme as ovelhas e as cabras...balem desesperadas....!! Ele nem quer saber das pobres e ainda toca na cana... de bambu!!
    Bem,tanto Abelito como Caíme têm o "direito" de ter suas preferências laborais, agora reclamarem o usocapião das terras...!??!
    Isso é mania dos socialistas que, já nesse tempo,possuíam a perícia da ladroagem camuflada!!

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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