G€N€SIS: A NOVA VER$ÃO (continuação)

6- Abelito morreu, vitima de enfarte cardíaco após uma discussão sobre garotas com seu irmão Caíme. Sem saber justificar a morte do mano e com medo de represálias, o pastor deu de frosques, levando consigo a bicharada. Instalou-se na terra de Nódoa, algures a leste do Paraíso. Teve numerosa descendência que, por sua vez, teve ainda mais numerosa descendência. Quando já havia uma autêntica cidade de casinhotos precários, o Deus capital decidiu construir uma barragem hidroeléctrica que submergiu, sem pré-aviso, toda a povoação. Por capricho das circunstâncias, só escaparam Neo e sua família: a mulher Azar (não, não é piada, era mesmo esse o nome dela) e os filhos Com, Sem e Jaferve. O resto da população morreu afogada ou de fome, pois todas as culturas e rebanhos ficaram sob água. Por sorte, Neo tinha construído, anos antes, uma arca...

- Se não fosse eu e a minha ideia da arca, hein? vocês, seus inúteis morriam à fome...-Gabou-se Neo.

- Ah sim? - retorquiu Azar - pois se eu não tivesse tido a ideia do sal, ias comer carne podre...

- Estão a falar de quê?- perguntou Jaferve.

- Da arca salgadeira, há dias que eles não discutem outra coisa - queixou-se Com...

- Pois fica sabendo menino- zangou-se Neo, o dedo espetado em jeito de ameaça- que é a arca salgadeira que te enche a pança...

- Mas como é que conseguiram - interrompeu Sem para dar graxa ao pai- meter tantos animais e alguns tão grandes numa arca tão pequena?

- Matando-os e esquartejando-os que te parece? - aproveitou logo a deixa, Neo orgulhoso – Não dá para pôr animais vivos numa salgadeira: mexem-se muito...

- Claro - espicaçou Azar – e tudo porque o senhor Neo nunca quis comprar frigorífico...

Ainda estavam nestes ajustes de contas quando viram uma pomba trazendo um ramo de oliveira no bico. Foi Com, o rapaz mais velho que, muito desembaraçado, tirou a fisga , apontou e zás: acertou-lhe em cheio. Mal a pobre ave tombou, com um baque seco, nos poucos palmos de terra seca do monte Atarat, Azar, a mãe, pegou num pau:

- Quietos, que também eu tenho saudades de carne fresca. O bicho vai ser depenado, estripado e cozinhado que nós não somos animais. Hmmm!. Tu Neo, vais apanhar um raminho de salsa, tu, Com, vais à arca tirar umas pedritas de sal, tu Sem, vais esfregar dois pauzinhos até que façam lume e tu Jaferve, vais buscar lenha.

-Mas onde vou buscar a salsa com esta inundação?- perguntou Neo desconfiado.

-Sal?...estou farto dessa porcaria...

-Pois! E já agora, diz-me como é que se pode fazer fogo com dois pauzinhos molhados?

-E a lenha? Mesmo que já esteja seca, estará molhada. Ah ah ah

- Ah sim? pois então, trato eu de tudo. Quando estiver pronto chamo-vos...

- E como é que sabemos que a não vais comer sozinha?- perguntou Neo dando voz aos receios de todos.

- Como? eu nem sequer gosto de pomba!...

- Eu também não gostava- disse Sem –quando havia outras coisas não-salgadas para morfar!!!

- Para quê? –perguntou Neo desconfiado.

- Para comer Pai - esclareceu Com - morfar é gíria juvenil

- Juvenil pode ser- zangou-se o patriarca- mas não a acho nada giria, à tua linguagem...

- Ah discutam, discutam – alertou Sem- que a cota agradece: lá vai ela montada num tronco pelas águas fora. E leva a pomba...

- Como?- disseram os outros indignados.- Ei!!! ...Atrás dela, depressa!...

E assim cada um deles montou um tronco flutuante e partiram em perseguição do almoço. Todos, menos Neo que começou a nadar no outro sentido, contra a corrente...

- Ei Pai- ainda lhe gritou Sem- olha que a mãe fugiu com a pomba para aquele lado...

- Por isso mesmo filho – disse o velho soltando um riso tresloucado – é que eu vou fugir direcção oposta ah ah ah, que se lixe a pomba!...

E desde então, porque a aparição de uma pomba que trazia o raminho de oliveira no bico, ter contribuído para o fim dos conflitos domésticos, passou a ser o símbolo da Paz!...

(continua aos Domingos)