(Continuação do capítulo a invenção da linguagem, iniciado ontem...)
Porque a violência não bastou, como linguagem?
Evidentemente a violência tem as suas limitações e o Grande Grunho não pode andar sempre a castigar os prevaricadores. Porque precisa sempre de uma base social de apoio? Nada disso! . A grande razão é de outra ordem: como os macacos pelados são prevaricadores inatos, castigá-los sempre que passam das medidas, (não obstante a realização profissional que tal possa proporcionar a um chefe), cansa muito.
Por essa razão, os Pelados depressa descobriram o perfeito sucedâneo da violência: a ameaça. Pelo recurso à intimidação, o chefão mantém a autoridade sem ter de andar sempre a distribuir pancada. A partir de agora, ao Grande Grunho, macho dominante, basta-lhe arregaçar o lábio superior, mostrar a dentuça e rosnar, para que qualquer aventureiro entenda o aviso pelo menos tão bem como nós entenderíamos frases como ‘se tocas na minha carne, levas na boca’ ou ainda ‘se voltas a olhar assim para a minha sócia, arranco-te os olhos’. Sim, que nesse tempo valia tudo, incluindo arrancar olhos.
Porque razão a ameaça também não bastou, como linguagem?
Porque a ameaça só vale quando suportada por algo. Neste caso, esse algo começou por ser a mão aberta, depois passou a ser a mão fechada, finalmente uma mão fechada com um pau em riste. Foi Grunho 4, não necessariamente o tetraneto do Grunho anteriormente referido, que, com o pau que sempre o acompanhava, inventou a nova linguagem. Sempre que se zangava, pegava no pau e gesticulava. Consoante o número de voltas e reviravoltas que ele imprimia ao bastão, num ou noutro sentido, assim os seus seguidores entenderiam coisas muito elaboradas como: ‘ Onde estão as coxas do coelho que eu cacei? Acusem-se ou sai paulada!!!’. Ou ainda: ‘ Ou me calam essas crias ou os lobos vão chamar-lhes um figo»’ e sobretudo: ‘Agora vou tirar uma soneca e ai de quem me acorde!’.
Além da chamada língua de pau, a introdução deste material na vida dos hominídeos proporcionou à raça grandes progressos nas áreas da agricultura (antes abriam-se buracos na terra com os dedos), da caça (melhor caçar com um pau do que à unha), na pesca, na indústria de fabricação de lanças, de flechas, de dardos e, é importante não esquecê-lo, de palitos para os dentes. Mas antes de ser aplicada em todas estas áreas, o pau serviu, de início, (e como sempre) fins exclusivamente militares.
Só os esbirros de Grunho 4 e ele mesmo, podiam usá-los. E se os usavam: o chefe e seu gang viviam agarrados aos respectivos bastões. Em todo o caso, não estavam dispostos a permitir que outros, além deles, os possuíssem ou usassem. Esta primeira forma de aristocracia baseava-se portanto, não na posse na terra, mas na posse de um cajado de carvalho rijo, que pudesse ser usado, a qualquer momento, no lombo de um plebeu recalcitrante. E todavia a restrição de posse de um tal instrumento não se revelou realista: naquele tempo, havia paus a dar com um pau. Florestas imensas, extensões incalculáveis de vegetação, não faziam outra coisa senão produzir paus de todos os tamanhos e feitios. Além do mais, mesmo entre os vizinhos Totós, já as mulheres usavam paus para fins vários, o que colocava os Grunhos em desvantagem, caso se vissem atacados. Foi pois com mágoa que, perante a ameaça dos Totós, O G. Grunho 4 se viu forçado a armar e treinar toda a tribo, mulheres e crianças incluídas.
Aqui, teve uma surpresa: no tempo do soco, da dentada e do pontapé, a luta era mais previsível. A introdução do pau nas contendas veio baralhar o cristalino princípio da força bruta. Agora, graças a uma inabilidade inexplicável, havia um ou outro lingrinhas e uma ou outra mulher que compensava a falta de força física com alguma destreza no manejo do instrumento, tanto para comunicar como para punir . O Grande chefe arrependeu-se do seu ousado passo porque, desde aí, além das habituais sopapos que levava da mulher, passou também a levar paulada de súbditos cuja existência, até aí, não se apercebera.
Não chegou porém a ser destronado porque, diante da ameaça dos Totós, ninguém quis assumir a condição de chefe. Era um mau presságio que, tendo um chefe fraco, os Grunhos tenham decidido não alterar o status quo, convencidos que, em caso de derrota, o Chefe e seus acólitos seriam os principais (com sorte talvez os únicos) alvos da ira do inimigo. Talvez por terem a noção da superioridade do adversário no manejo do pau, os Grunhos já partiram para a guerra derrotados, não admirando, por isso, que a derrota efectiva da tribo se consumasse ao fim de breves escaramuças.
O descalabro tornou-se evidente desde que Nhunho, o campeão do pau entre os seus, tombou de queixos depois de um breve duelo com o minorca Moka 6, um dos mais enfezados guerreiros Totós. Terá sido no momento em que o pau do baixote abriu como a uma melancia a cabeça do troglodita inimigo que o Grande Grunho, do alto do montinho de onde via a batalha, pronunciou, pela primeira vez, uma palavra cujo sentido todos entenderam: FUJAM!!!
E efectivamente, deslocadas algumas clavículas, rachados alguns crânios, partidas algumas costelas e dentes, todos os Grunhos que ainda tinham pernas intactas correram pelas suas vidas. Os que só tinham uma perna tentaram fugir a pé coxinho. Um terceiro grupo tentou arrastar-se. Poucos escaparam à ira dos Totós que, após a vitória, denotando pouca esperteza, tomaram mulheres Grunhas como esposas de guerra.
(continua na próxima segunda-feira)
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