A expansão dos Humanotes e outras conquistas
Como explicar o sucesso da nova espécie?
Vejamos: sucesso, sucesso, não será o termo adequado. Na verdade foi o insucesso da espécie a ditar a sua proliferação. Apesar de não serem muitos, os primeiros semi-humanos não se suportavam uns aos outros. Os seus grupos nunca ultrapassavam o número de dez indivíduos, que era o máximo que todos, (sobretudo o chefe), podiam contar com os dedos das mãos. Mais do que isso, dava confusão e, nessa altura (como hoje), a confusão dá sempre lugar à violência. Portanto, sempre que alguém estava a mais, era expulso para longe, normalmente à má-fila. O critério de quem «estava a mais» era, naturalmente, o do chefe, sempre desconfiado, sempre em tensão, sempre procurando actualizar os registos dos seus súbditos pelos dedos das mãos. Foram os primeiros registos digitais e, através deles, o Primata chefe fazia corresponder o Polegar direito à sua esposa, o indicador direito ao irmão mais novo, o médio direito a si mesmo, o anular direito ao seu cunhado, o mindinho direito a seu filho mais velho, o seu polegar esquerdo à sogra, o seu indicador esquerdo ao seu irmão, o médio esquerdo ao seu médio pai, o anular esquerdo a sua irmã e o mindinho esquerdo a seu sobrinho.
Foi por não se suportarem uns aos outros que os humanotes se expandiram rapidamente pelo globo. Para se instalarem o mais longe possível dos seus parentes mais próximos, atravessaram cordilheiras, rios, oceanos, estepes e desertos, em épica fuga para a frente, cada vez mais longe, cada vez mais rápido, cada vez mais alto. Não lhes serviu de nada: onde quer que chegassem já alguém tinha estado antes e não importa quando chegassem, muitos se lhes seguiriam depois.
Que outras invenções/ instrumentos, além do pau, potenciaram o desenvolvimento do intelecto humano?
Sem dúvida a mais importante de todas as conquistas humanas é o fogo. Quem já tentou comer carne crua e/ou já rapou briol sabe do que estou a falar: é impossível ter uma ideia decente enquanto se masca carne crua ou enquanto se tirita de frio.
Interessa porém definir o que se entende pela descoberta do fogo: o maduro que viu pela primeira vez um incêndio, não alterou a Pré-História. Já aquele que, pela primeira vez, fincou o dente num bom guisado de coelho, pode-se dizer que inaugurou uma nova era para a sua espécie. O mesmo se pode dizer daquele que, pela primeira vez, adormeceu junto ao fogo, numa fr...ia fr...ia noite de Inverno.
Sem os confortos da cozinha, do aquecimento e iluminação do lar, o intelecto humano seria tão pobre, frio e desolado como uma gruta apagada.
« Numa certa manhã da estação seca, Humanote 9, o mais inepto dos caçadores Humanatas, atropelou um coelho que fugia de uma raposa. Feliz pela inesperada refeição, não perdeu tempo, dando-lhe de imediato uma paulada logo seguida de uma trinca. Resultado de tanta gula: durante o longo tempo que dedicou a cuspir e tirar com os dedos aquele nojento pêlo da boca, jurou que dominaria o instinto e que não voltaria a pôr-lhe o dente antes de o esfolar.
Assim fez, acabando por comer apenas a carne de duas coxas, após um interminável mastigar. Agora tem um grande peso no estômago e pedaços de coelho cru entre os dentes. Precisa de palitos mas está longe da sua gruta. Olha em volta e não vê nenhum dos arbustos que ele e os seus usam para fabricar aquele artigo de higiene oral. Em lugar disso, apenas gravetos meio secos, demasiado grossos para o fim que lhe interessa. Tenta sacar-lhe lascas, mas aqueles pedaços de madeira não partem da forma mais conveniente. Então lembra-se de poli-los. Começa a esfregar um pequeno galho sobre uma casca seca de árvore. O trabalho avança pouco, a carne no meio dos dentes massacra-lhe as gengivas. Impacienta-se e esfrega cada vez com mais força, até que solta um grito e deixa cair o graveto em brasa no meio do capim seco. O fogo imediatamente alastra. Humanote consegue escapar com vida e não completamente chamuscado com a experiência. Tanto assim que voltará logo logo, atraído pelo cheiro que emanava do resto do coelho. Ao comê-lo, notar-lhe-á uma textura mais delicada, um sabor mais apurado, um mastigar menos trabalhoso e sobretudo, sobretudo, uma digestão infinitamente mais fácil, para já não falar da expulsão, bem menos dolorosa. O fogo acabara de fazer o seu primeiro converso e, ao mesmo tempo, o seu primeiro sacerdote.
E a roda? Não foi a roda também um importante invento?
Sinceramente, ná!!!
A roda nem chega a ser uma descoberta, quanto mais uma invenção! . Não me restam dúvidas que se tratou de um vulgar acidente. Eventualmente foi descoberta por Hominote, o Irrequieto ao subir um tronco perfeitamente cilíndrico, colocado em equilíbrio instável num declive. Embora não se tivesse saído mal nas primeiras voltas, o tronco acelerou cuspindo-o contra a Rocha Verde (assim designada por causa do musgo e da baba dos caracóis), pancada que não o fez mais estúpido do que o que já era, mas que o tornou muito mais irritadiço.
Pese o energúmeno ter pensado, mais de uma vez, aplicar o princípio dos troncos rolantes à sua família mais chegada, a verdade é que, além dele, mais ninguém via vantagens nesta descoberta: excepto em casos de declive, a roda ajudava pouco, visto que alguém tinha sempre de puxar. E até à domesticação dos bois, a verdade é que ninguém queria puxar.
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