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Thursday, March 24, 2011

A Família Humana (por Lilith Lovelace)

Quando vejo programas sobre a Natureza, sinto sempre uma estranha ambiguidade. Por um lado, as regras da cadeia alimentar são claras e nenhuma espécie (pertença ao grupo dos predadores, das presas, ou de ambos em simultâneo), parece ter dúvidas sobre o seu papel. Uns comem, outros são comidos, um terceiro grupo (a maioria)  tanto pode comer como ser comido. Em última análise todos acabam por ser comidos, pois claro, quanto mais não seja pelos vermes. 
A nenhuma aranha passa pela cabeça discutir o seu status: se vê um pássaro predador, ala, que se faz tarde. Se vê outro qualquer insecto preso na sua teia, também não tem estados de espírito sobre o assunto: há que enredá-lo e sugar-lhe a seiva. E isto pode extrapolar-se para os répteis como para os mamíferos. Na natureza, nenhuma criatura discute o que quer que seja, pois esse tempo pode ser precioso para não ser comido ou, em alternativa, para satisfazer o seu apetite antes que a presa fuja. Sempre me ri dos que pensam que a Natureza é justa. mas sempre me ri também dos que pensam que ela é injusta. 
Justiça e injustiça são conceitos humanos e não me parece que outras espécies dediquem muito tempo a esse assunto. Nesse sentido, as outras criaturas parecem-me mais sábias que os humanos. 
Só que nós, mamíferos ditos racionais, não somos como a outra bicharada. Não digo isto porque sinta que somos superiores mas porque construímos formas de vida que, de certa forma, nos afastam de outros seres. Mas, onde outros falam em racionalidade (ou superioridade) eu prefiro falar de Cultura, grafada assim, com  maiúscula. E o que é, então a Cultura senão um conjunto de regras (umas provisoriamente escritas, outras apenas determinadas pelo hábito) cuja finalidade última é evitar que nos exterminemos uns aos outros, com a óbvia finalidade da predação ou em defesa contra essa mesma predação, quando pratica contra nós pelos nossos semelhantes?. 
Tradições, Religiões, Artes, Ciências, podem diferir muito no objecto ou objectivo. Mas visam todas o mesmo que é ampliar a nossa margem de manobra num mundo que (desde cedo o aprendemos) muitas vezes se nos apresenta como hostil. Cada pequena conquista, numa destas áreas, é um passo dado na direcção da eliminação da nossas muitas incertezas, quanto ao futuro. Só que nenhuma destas áreas da actividade humana é «boa» por natureza. Como animais que (para o bem como para o mal) ainda somos, mesmo estas conquistas podem ser, a qualquer momento pervertidas e usadas com a finalidade oposta àquela pela qual foram criadas. 
Exemplos não faltam: o homem que inventou a lâmpada eléctrica (Thomas Edison) e tantas outras coisas úteis à Humanidade, inventou também a cadeira eléctrica. Tal como outro génio que viveu largas décadas antes (Guillotin inventor da guilhotina) alegou que o fazia por razões humanitárias (para abreviar o sofrimento dos condenados à morte). 
E é aqui que a palavra perversão faz todo o sentido, pois o que é um perverso senão aquele que serve o Mal (assim, grafado com maiúscula) supondo (ou fingindo) servir o Bem?
Amigos tenho uma péssima e (muito, muito) velha notícia para vós: o Inimigo (o nosso e o das nossas Culturas) vive dentro de cada um de nós. E não podemos estrangulá-lo porque isso equivale ao suicídio. Mas podemos neutralizá-lo ou (melhor ainda) sublimá-lo. Difícil? decerto que sim. Mas que glória existe nas  conquista fáceis?...

1 comment:

  1. ..pois é presa/predador, amigo/inimigo, bem/mal na natureza é bem diferente na humanidade!! Na humanidade há sempre o factor Cultura associada a outros conceitos que subvertem a liberdade e a dignidade humana!!
    Dona Lilith, foi um momento de reflexão que nos deixa hoje aqui...e não foi por acaso!!!

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Viseu, Beira Alta, Portugal
autor satírico, cartoonista pseudónimo de António Gil, Poeta e Ficcionista, Não sectário, Agnóstico, Adepto Feroz da LIberdade de Imprensa e de Opinião...

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